Casa de Camilo

Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco
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Seide Saúda-vos!

19 de dezembro de 2009

Camilo visto por Vasco Graça Moura


Camilo visto por… Vasco Graça Moura
Novembro 10, 2009 por casadecamilo
http://casadecamilo.wordpress.com/
morte de camilo

quando camilo deu, como então diziam os românticos
afectando o maior desprezo pelo corpo, um tiro
nos miolos, o projéctil furou muitos milhares de páginas
que ele, na cegueira, já não conseguia ler, mas

guardava na cabeça. elas entraram assim em contacto,
umas com as outras, as dele e muitas mais, por esse
novo canal aberto pela bala. no exacto momento
da sua morte, tintas de sangue e dor insuportável,

ele deve ter reconhecido semelhanças e perdições,
reencontrado personagens e experiências
amarguradas a jorrarem, de súbito presentes,
deve ter entrevisto paisagens, rostos, torpezas, ironias,

intensidades próprias e alheias. camilo deve tê-las percorrido,
à velocidade do raio, numa fracção de segundo,
como numa espécie de nova ars combinatoria,
e compreendido as negras molas reais de tudo. nós só

não sabemos se então ainda lamentou já não poder
escrever esses enredos possíveis, fulgurantes numa prosa
cada vez mais dominada, mas que, como sempre, da paixão
incontrolada e da morte e de rápidos traços se nutriam.

Vasco Graça Moura
Poemas com Pessoas,
in Poesia 1997/2000,
Lisboa : Quetzal, 2000. p. 132.

19 de novembro de 2009

José Régio escreve sobre Camilo



«O romance de Camilo participa do folhetim, participa do panfleto, participa da crónica, participa do comentário, divagação ou confissão pessoal, participa, como já foi dito, do que geralmente chamamos novela, e até do que, num sentido técnico fixado, geralmente chamamos romance. É, pois, irregular e compósito -, no que em certa medida se avizinha do romance moderno. Visivelmente, a personalidade e os humores de Camilo dominam o seu romance: impõem-lhe uma técnica desigual, volúvel, diversa, caprichosa, livre (ou licenciosa) como essa mesma personalidade, esses mesmos humores. Neste sentido é Camilo um mestre que pode servir como exemplo, (até como representante de certo pendor português para a improvisação e a confusão) mas não pode conquistar discípulos aos quais ofereça regras que não tem ele próprio. Só a sua personalidade poderosa e desconcertante comanda a técnica do seu romance, - em virtude do que tem aqui a expressão técnica um sentido que muitas vezes se lhe há-de reconhecer em arte, qual é o de modo pessoal de realização. Estudar, pois, o seu romance é em larga medida relacioná-lo com a personalidade que tão violentamente o condiciona; - ainda que a não perscrutemos, essa personalidade, senão através dos aspectos ou dados fornecidos pela própria obra. Bom exemplo nos é (ou seria) essa obra de como é possível tudo ignorar, historicamente, dum autor, ou esquecer a sua biografia, sem renunciar a uma relacionação do conteúdo psíquico da criação com uma hipotética psicologia do criador. Se nada soubéssemos de Camilo, de Dostoievski, de Chateaubriand, etc, - pelas suas simples obras já muito saberíamos deles; até das respectivas idiossincracias. Nessa relacionação nos podemos fundamentar para o estudo de vários pontos capitais duma criação artística. Do seu estilo, por exemplo, - o que viria ao encontro da conhecida sentença: «o estilo é o homem».» -------------------------------------- «O comediógrafo, o versejador, o historiador, o cronista, o apreciador literário, esfumam-se, em Camilo, perante o romancista e o novelista. Não quer isto dizer que sejam sem interesse, e devam ser esquecidos, ou passados de relance, num estudo completo da sua obra. Porém o polemista mantém-se resistente; e a razão é simples: Na polémica exercita Camilo, sem as baixar de grau, algumas das forças que caracterizam o seu romance, e a que só agora nos podemos referir com relativo vagar. Falamos do seu sarcasmo; do seu dom de fazer ver ridículo e grotesco; do seu poder de troça, caricatura, paródia; da sua extraordinária fantasia cómica.
Efectivamente, desde sempre mais ou menos se reconheceu a Camilo o talento de fazer rir a par do de comover. Nenhuma contradição fundamental entre as duas faculdades, pois ambas as duas nascem directamente da extraordinária sensibilidade do artista. Se atendermos a que, tanto pelo seu mesmo excesso como pelos seus motivos ou objectos de vibração, poderá tal sensibilidade ser tida por doentia, (qualificação aliás insignificativa do ponto de vista estético) melhor compreenderemos como oscilará entre o patético e o burlesco, a elegia e a paródia, o trágico e o cómico. Sabe-se como galgam certos nevropatas da melancolia depressiva à alegria estridente; melhor, do abatimento profundo à excitação extrema. Não são estas duas atitudes verdadeiramente contraditórias, senão que as duas faces da mesma afecção. Sem, de modo algum, querermos reduzir uma coisa à outra, ( o que nos não impede de entrevermos relações entre elas ) pensamos que não será muito difícil achar entre vários dos maiores artistas da humanidade exemplos duma simultânea e idêntica tendência para a tragédia e para a farsa. O caso é que tanto a tragédia como a farsa - são caricaturais: São, ousarei dizê-lo, exercícios do grotesco no íntimo sentido deste adjectivo, por isso mesmo que tanto uma como outra isolam certos elementos e os elevam à tensão máxima. Que uma procura excitar o terror e a piedade, e a outra a hilaridade e o escárnio, não desmente que tanto uma como outra assentem, como se está percebendo, na abstracção: Ambas abstraem da real complexidade da vida, - que, essa, pertence ao drama - voltando costas à outra face que não a própria. Ambas são, pois, de profunda raiz poética, até lírica, num sentido que transcende a vulgar distinção entre lírico e dramático, e mesmo por essa abstracção comandada pela necessidade de expressão individual.
Poderão estas breves observações ajudar-nos a compreender que haja sido Camilo quase tão grande poeta cómico (e alguns dos seus admiradores eliminarão o quase) como trágico; e tão espontâneo e original numa e outra das duas máscaras, que na mesma página é capaz de fazer rir ou chorar. Decerto não haverá muitos exemplos, em toda a literatura mundial, duma tão espantosa naturalidade na passagem do choro ao riso, ou vice-versa. É isto nele um pendor que às vezes, de princípio, nos pode chocar, e a que nos habituamos na convivência com a sua obra.»
----------------------------------
«Se um crítico estrangeiro quiser conhecer um romancista lidimamente português abdicando (o que parece difícil) de procurar nas obras de ficção portuguesa não o que é originalmente nacional, mas o que antes reflecte gostos da sua própria nacionalidade dele, crítico, - terá de ler, estudar, procurar compreender Camilo. Já dissemos parecer difícil. Pensemos, por exemplo, no esforço de adaptação que deveria fazer um francês de hoje triturado de intelectualismo, batido na literatura experiencial e enigmática, terrivelmente prevenido contra quaisquer formas mais ou menos simples, ou naturais, de sentimentalidade, convicto de haver varrido o preconceito com os seus novos preconceitos - para aceitar e entender Camilo. Decerto será muito mais fácil triunfar o Eça, com a sua civilização e o seu cosmopolitismo, em traduções estrangeiras. (Não se conclua que estamos pretendendo rebaixar o Eça, que é outro dos nossos maiores artistas literários). Se até, como já frisámos, pouco susceptíveis são certos críticos nacionais, ou historiadores da nossa literatura, de ultrapassarem uma estreita visão de Camilo, admissível é um muito maior choque num crítico estrangeiro: e ainda maior dificuldade em ver através das falhas, das debilidades, das irregularidades, o perenemente vivo e admirável. Tanto pior para quem o não consiga, que perde o convívio dum escritor de génio. Os escritores de génio como Camilo hão-de ser integralmente aceites - e sem que isto implique cegueira crítica a seu respeito. Sempre, com o tempo, o vêm a ser, se não integralmente, em maior ou menor grau.»
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José Régio, de, " Camilo, romancista português ", in Ensaios de Interpretação Crítica, Portugália Editora, 1964


POSTADO POR EDUARDO ALEIXO
http://ealeixo.blogspot.com/




12 de novembro de 2009

Camilo visto por Aquilino Ribeiro




" ..............Uma vez em Seide, foi o protagonista de três ou quatro grandes acontecimentos que interessa memorar: o primeiro, o seu improbo trabalho, o qual, graças à estabilidade de vinte e tal anos, frutificou na obra mais vasta que jamais escritor português construiu ou construirá. Vastidão com beleza; vastidão perdurável em despeito das pechas de escola, das deficiências de formação, do próprio meio tacanho e rebarbativo à finura mental. Certos livros seus merecem colocá-lo, apesar de todos os senões, na galeria dos grandes mestres universais. O segundo acontecimento foi o seu martírio físico e familiar, tabético, eczemático, cego, com a monstruosidade da sua degenerescência à banda, calda túrbida em que temperou a pena para o azedume e o sarcasmo. A via sacra que trilhou não podia estar mais escalavrada.
Terceiro acontecimento de truz foi a sua nobilitação. Sonhava com ela desde que era gente. Ah, não ser fidalgo! Não possuir quartéis heráldicos!
E fabulou uma árvore genealógica, ganhando ao seu plano tais e tais linhagistas benévolos ou sempre prontos a estas inocentes tranquibérnias, intrujando-se a si próprio e aos seus. Que descendesse de Fruela ou de Barrabrás, expirou visconde, feito pelo ungido do Senhor, el-rei, D. Luís I. Com a nobilitação veio a realeza. Curta realeza. Todavia os ministros, no limite acanhado do Terreiro do Paço, moviam-se a uma vontade sua.
A história deste brasonamento daria lugar a um romance colorido e variado de sardonismo, para emparelhar com o Eusébio Macário, até agora único. Tinha forjado um slogan de trapaça: era por causa dos filhos que mendigava o título, não por vaidade.
Outro sucesso notável foi o seu matrimónio. Tinha de ser depois do aburguesamento.Devia-o ao rei, a Tomás Ribeiro, às cinzas de Alves Martins. Com ele não se fala em obrigação moral e justa recompensa dos sacrifícios de Ana Plácido. Desde esse dia foi mais circunspecto em matéria política. Nunca passou aliás de corifeu efémero dum partido, tão oscilante em doutrina social como em matéria religiosa. Todavia, se se pesasse em balança o que disse a favor da ideia de Deus e da Igreja e o que disse em contra, os pratos não demorariam um só instante em equilíbrio. O Diabo e o Anticristo levavam superabundantemente a melhor.
Afinal, o dístico que veio a aplicar-se a Camilo, génio da desgraça,assenta-lhe como uma luva. Com efeito, uma das facetas que mais brilham na sua obra de romancista é a da infelicidade humana sob forma de canceração. Dir-se-ia que as suas personagens, quando tocadas pela luz do mau sestro, se levantam esclarecidas por uma estranha luz de Sinai, tão dolorosas que nem esculpidas em carne. Já os seus felizardos da sorte são tíbios e moles. Para serem grandes é necessário que sejam burlescos. O bordão do seu sestro é trágico. Tal dom não é casualidade, mas regra. Sempre as figuras inditosas do seu teatro revestem um acume de real que salta por cima do convencionalismo e postiços menos escandalosos da escola romântica. São assim muitos dos figurantes das Novelas do Minho, do Sangue, da Mulher Fatal, do Amor de Perdição,etc, etc. Nem um estatuário que os houvesse moldado em bronze.
Afinal era a sua alma supliciada que tudo ia interpretando, transpostos os planos, pois que outra coisa podia ser para quem teve tão restritivo trânsito? A pintar uma face crispada pelo ricto do desespero ou a traduzir em meia dúzia de palavras de reflexão uma cena de angústia, não há segundo. A massa de sofrimento nas suas mãos torna-se a mais maleável das gredas. E todo o seu mundo dorido e insatisfeito, quer gema, chore, ameace, odeie, assassine, apaixona-nos e obriga-nos a comungar-lhe o transe, quando não é a esposar-lhe a causa.
Seria impossível que Camilo respirasse apenas a atmosfera salitrosa de inferno de que se aureolam os coribantes do seu guinhol. Algumas vezes,
não poucas, deixa o orco peculiar e entra com segura afoiteza os umbrais do paraíso. Mas que paraíso é este e que espécie de habitantes edénicos! Tudo resulta pálido ou cor de rosa, mormente se fizermos a sua comparação com as águas fortes de que é consumado mestre. Será assim porque é esse o aspecto menos comum do mundo? Talvez. A vida tem por essência a dor. A vida, no que encerra de eterno, decorre em crise e luta. Camilo possuía pois, em último grau, o génio da desgraça quanto à capacidade de dominar e traduzir o trágico que há no infortúnio, no pranto desfeito ou mesmo na adversidade. Ninguém até a data o superou em Portugal e é raro que o tenha sido as literaturas estrangeiras.
Se aquelas duas palavras são como que o mote de grande parte da sua arte, poderá também dar-se-lhe segundo sentido, reportando-as ao que chamam má sina com reveses, adversidades, incapacidade para o arranjismo. Não há dúvida que tendo em conta os passos capitais da sua existência, poderemos reconstruir uma via bem canhestra. As letras foram mesmo assim a tábua de salvação do náufrago. A par e passo que exercia a função, a vida ia-se-lhe desdobrando ingrata e tormentosa. Bem verdade que foi preciso este seu fadário para criar entre nós oficina própria. Até Camilo, a literatura era uma prenda pouco mais do que sala. Ora é precisamente com as circunstâncias que se vão desenrolando nesta como que sua subida ao calvário que é costume ilustrar a legenda de mau fado que parecia persegui-lo desde o berço.
Decerto que está fora de qualquer probabilidade científica admitir que se possa nascer debaixo de mau agouro astral ou exercer dano a distância mercê de acto de vontade ou de endrómina mágica. À escala romântica utilizava-se muito destes narizes de cera herdados dos romanos e dos feiticeiros dos tempos bárbaros. A literatura hoje pôs de parte tão ensebados cordelinhos.
Ora o grande Camilo foi daqueles em quem se concatenaram todos os concursos funestos para se lhe poder chamar um infeliz. Excepto o génio com que deu expressão à alma atormentada, e é um dos lances áureos do povo português, e que, ultrapassando, por isso mesmo, o destino individual, está fora de causa, tudo nele foi sinistro, astroso, aziago, miserando. O suicídio foi como que o selo que referendou existência assim calamitosa.""
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In BOLETIM CULTURAL, "Camilo, o Homem e o Artista"- Fundação Calouste Gulbenkian. - VII Série, Outubro de 1991.





Copiado do blogue "À Beira de Água", do meu amigo Poeta: Eduardo Aleixo




11 de novembro de 2009

Vitorino Nemésio escreve sobre Camilo



«Com uma pala na testa e um tinteiro de ferro ao lado, Camilo passa horas e horas na sua cadeira de baloiço. São-Miguel- de-Seide é Minho: são ares lavados, com boa verdura. Água não falta; nem aquela alegria que enche céu e terra, de Famalicão a Santo -Tirso. Mas onde Camilo chega há logo um dedo de desgraça que toca as coisas. No meio do milho e da luz da quinta, a casa do escritor já em 1880 tem um aspecto sombrio, com aquele obelisco postiço sagrando a visita de Castilho, as janelas da casa de jantar afogadas de trepadeiras, e a árvore de que Raul Brandão fez o espectro e o espelho da vida daquelas pessoas trágicas - Camilo e Ana Plácido - acordadas do sonho e do desespero pelos ramos que batiam nos vidros. Uma Florinha ou uma esgalha seca da «acácia do Jorge» davam-lhes com indiferença os sinais de Abril e do Inverno.

Camilo diz em 1864, nas VINTE HORAS DE LITEIRA: «o meu gabinete de trabalho, durante os meses esplêndidos do ano, é um contínuo começo de noute». Para ler ou escrever precisa das portas fechadas, além da odiosa pala verde. De maneira que a sala, enorme, afunilada ao alto por profundos tectos de maceira, com aquele lúgubre candeeiro de suspensão ao meio, tem uma densidade aflitiva. Aquele canapé Império fala-nos das visitas misteriosas de personagens expedidos há muito para os editores do Porto, e que agora voltam a Camilo com uma identidade civil -, ou aqueles que, como o cego de Landim, partem do cartão de visita para os domínios da ficção. Vêm vê-lo empalar as suas sombras, vêm provocar-lhe aquelas palavras supremas que ele precisa dizer aos sofás antes de as provar nos livros, aqueles azedumes comovidos e de repente cortados por uma diabólica gargalhada.

(...) Lá fora bem podem cantar os passarinhos, chiar o carro minhoto ou cair um rápido orvalho em cima das cerejas bicais. Ali não há alegria. Ali, é aquele canapé com aquela visita, a meia dúzia de cadeiras austríacas, o piano fechado, e, quando nem Camilo nem o estranho têm já que dizer um ao outro, a sombra de Ana Plácido que entra. A voz da visita parece uma troça quando chama «Senhora Viscondessa» àquela mulher gorda e triste, que vai por trás da poltrona de Camilo direita ao candeeiro americano preparar a torcida ao lusco-fusco.

Outras vezes não é Saint-Preux nenhum, mas algum amigo desinteressado e recente, como Freitas Fortuna, que foi padrinho daquele casamento serôdio celebrado de noite pelo Abade de Santo-Ildefonso, e que, desde os consolos da hora aziaga até ao jazigo emprestado, tudo facilitou. Outras vezes, ainda, é algum cónego letrado, como Alves Mendes ou Sena Freitas, que vem desabafar sobre Lisboa e a sua falta de vergonha e de vernáculo; ou um Tomás Ribeiro, inquieto para passar ao quintal e encher de inscrições imorredoiras a casca dos carvalhos cerquinhos que Camilo prefere para varapaus e boa sombra.

Uns e outros enchem o crepúsculo daquele homem com a rara consolação das palavras gratuitas. Agora que não há Sebenta-Bolas-e-Bulas, nem Alexandre da Conceição para dar exercício àquela violência febril, fazer o gosto ao dedo no fel do tinteiro de ferro; agora que também não há lágrimas para desatar de olhos de meninas, nem ramos de plantas secas para lhes insinuar nos livros - , que venham ao menos aqueles conhecidos e amigos puxar pela língua ao velho quase cego, tomar a temperatura ao desespero daquela casa, acabar com os bilhetinhos de afronta que ele escreve à mulher ali ao lado, num requinte de maldade e de dor.

(...) Em 1885 Camilo não pode mais. O pouco que ganha, gasta-o em andadas desesperadas, de Seide ao Bom-Jesus, de Seide ao Porto, do Porto à Póvoa, a ver se se livra daquele demónio que o possui, misto de frenesim e de remorso, cólera sem nome que ele aplaca palpando o estoque da bengala, ou a coronha do revólver hull-dog debaixo do travesseiro. Lívida, Ana Plácido carrega o revólver de cápsulas inofensivas. Mas o estratagema falhou. Camilo é mestre em fecharias de clavinas e balas de todos os calibres. Faz pontaria ao tecto. Nem um chamusco...Percebe tudo. Saberá procurar a carga na hora própria.

Entretanto, têm pena dele. Os ódios mais grados passaram; a pedra de escândalo do rapto estava sossegada, numa espécie de lodo quente. Já se podia fazer da ex-mulher do brasileiro uma viscondessa constitucional. Quando Barjona levou o decreto à assinatura do Rei, talvez D. Luís se lembrasse que seu irmão visitara um dia um preso, que o arquivo das cadeias da Relação do Porto registava «de estatura regular, rosto comprido, trigueiro, bexigoso».

Agora, em 1885, vinte e cinco anos depois, em «testemunho da minha real consideração e do apreço em que tenho o seu distinto merecimento literário», lá o fazia visconde... As Cortes perdoaram-lhe os direitos de mercê. Essas, faziam-no em «testemunho de preito nacional pelo formosíssimo talento do brilhante escritor».Só uma voz se ergueu contra. O sr. Simões Ferreira entendia que a Câmara dos Deputados não fora feita para «dar distinções aos homens» que « não tenham concorrido para melhorar o estado moral e intelectual da sociedade», - e, a seu ver, Camilo estava abaixo da craveira.

(...)Depois, é o que se sabe: cegueira irrevogável e aquele desespero horrível, enquanto a pobre senhora acompanhava à escada o último especialista que o viera desenganar.

(...)Uma coroa de túlipas «em fundo de violetas de bosque e folhagem», com fitas roxas estreitas, e pretas de moiré largas (se O Comércio do Porto não mente), dizia só isto: PROFUNDA SAUDADE A SEU ESTREMECIDO AVÔ -CAMILO E CAMILA.
Que mais era preciso para Deus lhe perdoar?»

Vitorino Nemésio, in de " Camilo, in Ondas Médias", Ed. Bertrand, s.d., (1945).


Copiado do blogue "À Beira de Água", do meu amigo Eduardo Aleixo:


8 de julho de 2009

Coração, Cabeça e Estômago - Bibliografia (A. A. Teixeira de Vasconcelos)

Edições Caixotim - (p. 37 - 39 - 41 - 43 )

(...)
Pois apesar da incontestável autoridade do grande satírico português, é raro, raríssimo que homens do mesmo ofício se louvem ou se critiquem. Vai cada qual no seu caminho, e os outros que apreciem como lhes parecer. É certo que às vezes se encontram e se cortejam com benevolência. Tem acontecido, mas por acaso.
(...)
A obra do Sr.Camilo Castelo Branco tem três partes, como revela o título. A primeira diz respeito ao coração de Silvestre da Silva, que não era dos piores. A segunda trata da cabeça do tal sujeito, que não seria de invejar. A terceira e última, é como o estômago, víscera infeliz desde a malfadada maçã do paraíso até às alicantinas gastronómicas das respeitáveis casas de pasto, que honram a pátria e o século.
(...)
Há dois capítulos nesta primeira parte, dos quais um se intitula A mulher que o mundo respeita, e o outro A mulher que o mundo despreza. Já se vê que o mundo respeita uma desaforadíssima criatura, e despreza uma infeliz, lançada por mão alheia no abismo da miséria. Tem-se visto.
O mundo respeita muito o dinheiro e a grandeza. Não lhes pergunta o sexo. Se acertam cair em homem, viva o homem, ainda que seja o mais descarado malandro. Se encarnam em mulher, viva a mulher, ainda que seja a mais deslavada marafona. Querem saber a causa? Perguntem-na ao mundo. O Sr. Camilo afiança a existência do facto, e eu ofereço-me para testemunha abonatória.
(...)
À cabeça do Sr. Silvestre Silva faltava principalmente juízo, e por isso, principiou em correspondente do Periódico dos Pobres do Porto, e acabou na cadeia por sentença do meretíssimo juiz da polícia correcional.
Pois vai-se meter com a vida do Sr. Anselmo Sanches, advogado mais desvergonhadamente honrado dos auditórios do norte! Que lhe importava ele a pureza de costumes do nosso querido doutor? Por isso malhou com os ossos na Relação, e foi muito bem feito.
Quantos Anselmos Sanches não há por esse mundo vivendo muito desforadamente com geral reputação de santinhos! E chovem-lhes as procurações no escritório, e em casa convites para jantar e para baile, à mistura com presentes ricos e recados das meninas nas cartas do pai!
(...)
Encantou-me a terceira parte do romance, não pelo desenlace filosófico, mas pela admirável fidelidade com que o Sr. Camilo Castelo Branco copiou da natureza as cenas e linguagem da casa do sargento-mor de Soutelo. Tomásia na cozinha, na eira, a coser, à mesa, na despedida, e na volta da igreja no dia do casamento, não tem rival em nenhum romance português que eu conheça.
(...)´
É muito difícil pintar bem os costumes portugueses. A primeira dificuldade está em conhecê-los. Cumpre ir estudá-los nas terras mais afastadas do sertão, onde o chá é remédio para dores de barriga...
(...)
O Sr. Camilo Castelo Branco é o nosso primeiro romancista e há-de ser por certo, se o quiser ser, um dos mais discretos prosadores portugueses. O voto não admite suspeição, porque é de homem do mesmo ofício.
24 de Outubro de 1862 - A. A. Teixeira de Vasconcelos
In Coração, Cabeça e Estômago - Camilo Castelo Branco

28 de junho de 2009

3º Encontro: Coração, Cabeça e Estômago

No dia 17 de Maio, pelas 21:30h, reuniram-se pela terceira vez, os leitores de Camilo Castelo Branco, para mais uma reflexão sobre o escritor e a sua obra:
«Coração, Cabeça e Estômago»
«…Esta novela pode ainda ser lida como uma autobiografia de Camilo Castelo Branco, ressalvando sempre a noção de que Camilo não teve apenas uma vida mas muitas, cada uma vivida por si só com sinceridade e com intensidade. Se atendermos ao amor, e relembrando-o na vida do autor, basta ter em conta as “sucessivas” mulheres de Camilo que, sempre à conta desse sentimento sublime, ele foi deixando para trás em nome da deambulação sentimental, provavelmente sem nunca ter querido admitir que praticava, à luz dos seus próprios critérios, o crime masculino por excelência, seduzir e abandonar a amada.

…Esta novela representa, ainda, a ambivalência da vida humana na sua busca desesperada de sentido e de propósito definitivos de modo a que a existência seja percebida como valendo a pena ser vivida. O que vai acontecendo, no entanto, tem a força de uma lei imprevista, que bane de uma assentada as melhores intenções e que conduz o ser humano a paragens nunca antes imaginadas, assim como o modo como as coisas e os seres são percebidos é apenas, e sempre, uma parte da verdade.

Como comenta Silvestre da Silva, o narrador-protagonista desta novela, a propósito da percepção do seu comportamento no amor por parte dos outros:
“Era isto o que se dizia; mas a verdade é outra.”
- Se a vida se torna a obra, a própria obra se torna a vida.
…Que tenha sido Camilo Castelo Branco o autor da novela que nos dá a ler de modo tão cru esta revelação, faz-nos crer que é por si mesmo um traço fora do comum (tocando as raias da invenção genial) de um autor proteiforme, inconformista, intuitivo, com uma capacidade de ironia como visão do mundo, da existência humana e da palavra romanesca, para além do facilmente concebível.»
Do Prefácio de Eunice Cabral

In Cabeça, Coração e Estômago - Camilo Castelo Branco


22 de junho de 2009

Epílogo - Vinte Horas de Liteira

Ontem, 27 de Outubro deste ano de 1864, quando eu, à conta da pequenez do livro, cuidava em alinhavar outra história, que o meu amigo provavelmente me não contou, anunciou-se-me um sujeito de botas de água e cobrejão.
Era António Joaquim.
Haviam decorrido cinco anos sem nos vermos.
- Como estás nutrido! - exclamou ele.
- É a gordura da felicidade! - disse eu, apalpando os perigalhos da barba para me convencer da minha nutrição - E tu? que nediez! que elefante de força e saúde! És o emblema do Minho em carne; em osso não digo, porque tu deixaste de pertencer aos animais vertebrados: és um molusco inteligente, António! Como ficou a tua família? Os teus rapazes? Os teus sócios da arca santa em que mareias sobre este cataclismo de corrupção universal?
- Estão todos bons. A única pessoa corrompida da arca sou eu.
- Tu!'
- Eu, sim, desde que involuntariamente dei direito a que o meu nome se leia em vinte e tantos folhetins do Comércio do Porto. A pureza da minha vida e costumes quem ma dava era a obscuridade. Enquanto o mundo me desconhecesse, sabia eu que o meu esconderijo seria defeso à curiosidade malévola e pestilencial; porém, desde que me fizeste viver e discorrer, e parvoejar, como qualquer sócio deste funesto clube, chamado a sociedade, a minha pessoa, o eu subjectivo, deixou de ser eu, e passou a ser tu. Quero dizer que aniquilaste a minha individualidade típica: consubstanciaste-me na matéria universa; e contaminaste-me da peste geral.
Foste ingrato a quem te deu a liteira para vinte horas!

(...)

In Vinte Horas de Liteira - C.C.B.

20 de junho de 2009

Conclusão - Vinte Horas de Liteira

(p. 191)



(...)

Aqui tens o que eu chamo organização das cousas.

O que querias tu que ele se fizesse? Albardeiro? Cabeleireiro? Acendedor de lampiões? Peço à tua razão ilustrada uma resposta.

- Se ele tinha inteligência - disse António Joaquim - fizesse-se escritor.

Ouvido isto, benzi-me, pus os olhos no céu, e disse:

- A Providência divina houve por bem endoudecê-lo pelos processos ordinários da loucura vulgar, antes de lhe incutir a loucura extraordinária de fazer-se escritor em Portugal. Que paradoxo! A inteligência do teu amigo não lhe abriu as portas do funcionalismo público? Não: pois bem, faça-se dessa inteligência alguma cousa! Um escritor - o derradeiro mester em que pode ser aproveitado esse raio luminoso do coração de Deus!...

Ó meu amigo, o máximo favor que um português pode receber do Céu, é indoudecer, na véspera de fazer-se escritor público!

(...)

In Vinte Horas de Liteira - C.C.B.

18 de junho de 2009

XVI - Amor de freira

(p. 179)

(...)

- O pouco que entendi da resposta - reflexionou António Joaquim - habilita-me a supor que Salomão já contava contigo, quando disse que o número dos tolos era infinito. É um sábio a julgar outro sábio. Agora, vamos à história, que daqui a pouco estás a salvo da liteira e de mim.
- Estás enganado! - acudi eu - Provavelmente irei ter contigo enquanto farejar no bojo da tua memória um romance inédito. Sou teu vampiro, António Joaquim! Hei-de sugar-te seis volumes da alma. Seis volumes, que serão as seis colunas do teu supedâneo no templo dos imortais!... Que fez depois teu tio? Dizias que umas pessoas tinham dó dele, e outras riam-se.
(...)

In Vinte Horas de Liteira - C.C.B.

16 de junho de 2009

XV - Os amores de Teresa

(p. 170)

(...)
- Que magnífica boiada! - disse eu. - O boi é o qudrúpede que mais se parece com um filósofo. Vê tu o passo mesurado, grave, e cadente de um boi! O olhar meditativo! A sisudeza do aspeito! O ar revelativo de um complicado trabalho intelectual que se está elaborando naquela enorme cabeça! Há grandes filósofos inquestionavelmente menos sérios e cogitativos que o boi! Decerto, sabes, amigo Joaquim, a importância social, legendária, simbólica, e mítica do boi na antiguidade.
- Não sei isso bem - disse modestamente o meu amigo; - o que sei deste prestadio animal é que a humanidade o come há muitos séculos, e que nos jantares de Cressus e Luculus apareciam bois inteiros assados, e creio que no convento de Mafra também se assavam inteiros os bois.
(...)
Teresa, quando tinha doze anos, herdou de sua madrinha dous novilhos.
(...)
In Vinte Horas de Liteira - C.C.B.

14 de junho de 2009

XIV - Os percevejos de Baltar

(p.160)

António Joaquim fez-me o favor de achar engraçada a minha história, e perguntou-me quanto devia, visto que a minha profissão era vender histórias. Conspiraram poderosos sentimentos de gratidão para que eu, com o desprendimento do filósofo que rejeitou os tesouros de Xerxes, lhe dissesse que não era nada. Sem embargo da minha recusa, António Joaquim, deu-me um cigarro, e perguntou-me se os editores em Portugal eram mais liberais do que ele. Pude convencê-lo de que os editores em Portugal eram as hóstias imoladas espontaneamente nas aras das letras pátrias, e que eu, à minha parte, havia arruinado uns poucos, e os meus colegas o resto, de teor e modo que, volvidos alguns anos, os poetas e romancistas, se não pudessem viver repletos e intouridos das suas fantasias, haviam de ir às praças, à imitação de Homero, narrar os seus poemas e romances às multidões, que, em paga, lhes enramariam as frontes de acácias e cilindras.

Como este período estirado me tirasse a respiração, e a liteira parasse na estalagem de Baltar, apeámos.
(...)

In Vinte horas de Liteira - C.C.B.

12 de junho de 2009

XIII - A minha história

(p. 153-154)
- É chegada a ocasião de eu te contar uma história, se bem que sinceramente me dói o privar-me, entretanto, de ouvir-te - disse eu, no tom cortesão de qualquer dos estafadores da «Corte na Aldeia» de Rodrigues Lobo. - - A história dos brilhantes de tua prima sugere-me uma recordação de certo acontecimento que me faz rir muito, e que eu decerto, não sei reproduzir com graça. O caso passou-se em Lisboa, há quinze anos.
Um meu amigo, chamado José Cabral, rapaz mui galanteador e galanteado, rendia os seus afectos a uma secular recolhida num convento dos mais elegantes de Lisboa. Era uma senhora de meia-idade, ou da Idade Média, como José Cabral esturdiamente emendava, quando, com a zombaria, cuidava rebater as facécias de quem o carpisse nos seus amores aos quarenta anos de D. Paula Manuel Chichorro. Esta dama tinha sangue nobilíssimo nas veias, e um património regular, mas de cabeça era desconsertada algum tanto, por amor da mania, vinte e cinco anos inveterada, de fazer-se eterna nos versos de um poeta, como a Marília do Gonzaga, e a Elvira do poeta das «Meditações».
Neste propósito, deixou-se cortejar de vários poetas, alguns dos quais, desde 1834 até 1844, lhe consagraram e publicaram versos, que deviam dar-lhe eternidade à ilustre dama, se fossem lidos. Aqueles anos correram tumultuosos de comoções políticas. Qualquer florinha de poesia era desarreigada pelas borrascas da prosa das finanças, e atirada aos quatro ventos, que sacodem as ventarolas da humanidade. Assim, se explica, sem desdouro dos bardos, cantores de D. Paula Chichorro, o passar-se-lhe a década mais florida de graças, sem que o mundo soubesse quem lhe preludiava a eternidade em redondilha maior.
(...)
In Vinte horas de Liteira - C.C.B.

10 de junho de 2009

XII - História de um brilhante

(p. 127)

- Conta-me agora tu uma história - disse António Joaquim.

- Eu costumo vendê-las - respondi com o grave e sisudo desinteresse da arte. - Contava-te um conto bonito, se me desses este brilhante, que me vai cegando com o resplendor de Jeová ao povo escolhido.

- Esta pedra - observou o meu amigo, mostrando-me o anel - também tem história. Pertenceu aos brilhantes de minha prima Adriana.
(...)

... Disseram-lhe que era a suprema demonstração de juízo casar com o sócio de seu pai, porque era velho, e porque era rico: como velho, amá-la-ia como os novos já não amam; como rico, deixá-la-ia rica e nova para depois poder escolher marido. Adriana, ouvidas estas razões de senhoras idosas e experimentadas, sufocou as do coração, e deu-se ao amor e à riqueza do velho, com a tácita condicional de desejar incessantemente que ele morresse para casar com o novo. A sociedade desculpa esta desmoralização.
(...)
Francisco Elisário, que assim se chamava o marido de Adriana, não estudara o sexo feminino, como costumam estudá-lo uns certos sábios, que se enganam todos os dias, e apenas ganham dos seus estudos saberem que são enganados, como outros que nunca estudaram matéria tão incompreensível. O melhor mestre, em ciência tão abstracta, é o amor.
(...)
In "Vinte horas de Liteira" - C.C.B.

8 de junho de 2009

XI - Amor Paternal

(pág. 119 - 120)
(...)
- Este Miguel de Barros - disse eu a António Joaquim, - se não tivesse meninos, havia de conversar agradavelmente na cultura da abóbora e do feijão frade...
- Cala-te aí, selvagem! - atalhou o meu amigo - Se tu soubesses que as criancinhas foram os arcanjos redentores da alma e coração derrancados deste homem!...
- Então é cousa de história de amor do teu amigo aos meninos?
- É e verás. Miguel de Barros foi o homem que eu conheci mais precoce em desmoralizar-se. Aos vinte anos, dispunha de sua plena liberdade, de seus instintos maus, e de muito dinheiro, que ele escondera da vigilância do tutor, quando lhe morreu a mãe. Foi para Lisboa lapidar o brilhante bruto da sua bruta educação, e veio de lá aos vinte e quatro anos, assim, que o dinheiro se lhe acabou, e o conselho de família lhe restringiu as pensões.
Sem Deus, sem lei, sem mínima ideia de deveres, agora entrego à tua imaginação, e conjectura tu o que faria um rapaz de insinuante aspecto, lustrado com o polimento dos salões da capital, bem-falante, afeminado quanto convinha nas frivolidades gratas às damas de todo o mundo, e nomeadamente às damas da terra dele. Lido em histórias de amores aventurosos, tomou para modelo de sua alegre juventude os personagens mais simpáticos, e quis, à força da poesia, intercalada de prosa, enflorar as suas patrícias, fazendo-as também personagens, chamando Elviras umas, Ofélias outras, outras Desdémonas, Virgínias algumas, e pelos modos achou de tudo, ou tudo compôs com a sua prosa e poesia.
(...)
In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

6 de junho de 2009

X - O Ermitão

(pág. 112 - 113)

(...)
... A contrição do crime é a mais expressiva e tocante homenagem às consciências puras. Os remorsos da vida pecaminosa valem mais como exemplo que a serena prática das virtudes. A gente repara mais nas lágrimas da penitência que nas alegrias da alma inocente... Parece que te enfadam estas máximas!...
- Não: eu gosto muito de máximas - respondi; - porém, quando as narrativas me interessam a curiosidade, antes quero ouvir as máximas no fim da história. No entanto, se...
- Pois sim: eu vou direito ao ponto, visto que não é lícito imitar-te na manha com que tu, nos teus romances, ensartas axiomas, quando a imaginação te emperra.
- Agradecido... Não se pode ser La Rochefoucauld sem ter-se a fantasia perra!... Tu e os leitores da tua laia é que afogam os embriões dos escritores aforismáticos em Portugal. Pois sabe tu que a eternidade de muitos livros é o estilo sentencioso que lha dá. Os romances vão a pique, às vinte e quatro horas de navegação, porque não levam lastro de sentenças. Entre nós, há um exemplo da duração de um renome, devido à gravidade das máximas: são os romances do conselheiro Rodrigues de Bastos. É, todavia, necessário que o escritor seja melhor de oitenta anos para que os leitores lhe relevem o tom pedagógico dos axiomas...
- Agora, o estafador da paciência estás sendo tu - atalhou António Joaquim.
(...)
In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

4 de junho de 2009

IX - O enjeitado

(pág. 102 - 103)

(...)
- O homem não morre?

- Qual homem? - perguntou o comendador.

- O brasileiro - respondeu o cirurgião.

- Graças ao Altíssimo! - exclamou Teresa.

Tu devias também exclamar alguma cousa! - me disse António Joaquim. - Bem se vê que tens calo no sentimento! Não há surpresa que comova um romancista, vezado a inventar surpresas, que transcendem os limites do disparate.

- Estou pasmado; mas não exclamo - disse eu.

- O brasileiro - continuou o meu amigo -, assim que se viu ferido numa espádua, declarou que estava morto, e caiu sem sentidos. Os homens da justiça levaram-no para casa com reputação de defunto, e...

- E os sinos - ajuntei eu -, que não tinham razão para serem mais entendidos em ferimentos que os oficiais de justiça, começaram espontaneamente a badalar a finados.

- Não foi tanto assim. Os sinos dobravam por uma velha que morrera na freguesia vizinha; e, como ela era irmã de uma confraria da outra, tinha sufrágios de uma missa, e um toque a defuntos. Tanta pergunta! É costume teu amiudares as explicações aos teus leitores?!

- É, quando os sinos tocam a defuntos por pessoas que não morreram. E depois?
(...)

In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

2 de junho de 2009

VIII - Os tesouros do príncipe turco

(p. 83-85-87)

- Não tens uma história de feitiços que me contes? - disse eu ao meu amigo.
- De feitiços não me lembra história nenhuma; porém, no género mágico, posso contar-te o que sucedeu a meu tio João Manuel com o livro de S. Cipriano. Tu sabes que nunca houve Cipriano nenhum que escrevesse tal livro...
(...)
Meu tio, o padre, e um cavador da confiança de meu tio, carregado de virtualhas para um dia, e de instrumentos para as primeiras explorações, subiram, há trinat e tantos anos, ao espinhaço da serra de Vermoim. O padre era muito mais alumidao que meu tio em história. Sentou-se ele numa fraga, depois que almoçaram, e contou que um príncipe turco da Mourama vivera naquele sítio com muitas riquezas roubadas aos cristãos.
(...)
Posto isto assim com esta clareza histórica, verdade que escapou aos cronicões dos monges, que escreveram a mitologia de Portugal, o padre barrosão disse que os tesouros deviam de estar a curta distância da cisterna, cujos bordos eram ainda visíveis na superfície escabrosa da chã, em que o castelo se sepultara. Meu tio conformou-se a este sensato parecer; e começaram os trabalhos de escavação, depois de beberem um bom trago da borracha, tesouro que eles tinha, levado, sem indicações de S. Cipriano.
(...)
Como a noute dá conselho, meu tio e o padre deliberaram partir para o Porto de madrugada, e oferecer as pedras à análise de peritos para lhes determinarem o valor.
O ar misterioso com que eles se apresentaram a um ourives faceto da Rua das Flores, foi uma solene recomendação de sua tolice. O primeiro impulso do ourives foi dar-lhes com os dous calhaus na cabeça deles; porém, amigo de rir-se, mudou de cara, fez-se pasmado da riqueza do achado, contrastou as pedras, e exclamou cavamente:
- Onde acharam os senhores esta riqueza?
(...)
In "Vinte horas de Liteira" - C.C.B.

30 de maio de 2009

VII - A gratidão

(pág. 76)
(...)
A humanidade entrou em refundição, nestes últimos anos, e converteu-se em valores. O homem já não é animal bípede implume, nem rei da criação, nem homem: é moeda. O que por ora lhe não fazem é tocá-lo sobre um balcão a ver se ele tine bem, e dá os quilates legais; mas, com o decurso dos descobrimentos, há-de inventar-se um qualquer instrumento, mediante o qual se determine rigorosamente as libras que cada pessoa tem na algibeira e as que deixou em casa. Este instrumento há-de dispensar a boa-fé necessária nos contratos, a probidade comercial, e as custosas informações que se tiram dos sujeitos de «fortuna» equívoca.
Nesses futuros próximos e auspiciosos dias, que eu tenho a honra e glória de profetizar ao género humano, os pais de meninas desposáveis não hão-de ser enganados pelos genros, nem os genros pelos sogros; o capitalista saberá, a ponto, se o aceitante da letra está endinheirado na véspera do vencimento; a prima-dona observará de antemão se o empresário premedita caloteá-la na melhor boa-fé de empresário insolvente. É um sem número de vantagens sociais a promanarem da invenção do instrumento, que poderá chamar-se numímetro, de numus, «dinheiro», e metron, «medida».
Tudo nos anuncia o próximo aparecimento do numímetro.
É preciso que se invente alguma cousa que supra a falta de lealdade nos contratos, a qual se há-de ir quebrantando, à medida que a religião, forja onde se caldeiam e depuram as consciências, se for desluzindo.
(...)
In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

29 de maio de 2009

VI - A Cruz do Outeiro

(pág.s 71/72)
(...)
- Eu queria ser caixeiro - disse Manuel.
- Escreva aí o seu nome - disse o negociante.
Manuel pegou da pena como quem pega numa verruma, e furou o papel três vezes antes de escrever o M.
- Está bom, está bom - acudiu o outro sorrindo; - já vejo que tem letra inglesa!... E quer você ser caixeiro! Estava mais talhado para professor de primeiras letras. Quem escreve assim, o que deve é ensinar a escrever. Vejamos como está de contas. Faça aí uma operação de quebrados. Ponha lá...
Manuel esbugalhou os olhos, e exclamou:
- O quê?
- Você sabe a regar de três? sabe as quatro operações aritméticas?
- Eu não sei nada disso, senhor!
- Pois não sabe fazer contas?!
- Sei cá p'ra me remediar; mas lá disso de ... como é?... a gente, quando lhe faz minga, conta pelos dedos.
- Ora, meu amigo - radarguiu o compassivo português, vá-se embora; fuja do Brasil, se cá não quer dar ossada. Você não tem senão o recurso da enxada; enxada por enxada, vá trabalhar na sua terra: um jornal de quatro vinténs por dia é lá melhor que três patacas no Brasil.
- Graças a Deus, eu que tenho bens meus onde trabalhar - replicou Manuel. - As minhas terras valem oitenta centos.
- Pois você é lavrador, tem bens, e vem para o Brasil procurar fortuna? Sabe que mais, se não quer ir para Portugal, vá para o diabo, que eu não questiono doudos.
Manuel saiu confundido e com a alma de negro. Não falando já nos pretos que via, tudo lhe parecia da cor da alma.
(...)
In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

28 de maio de 2009

V - História das janelas fechadas há 30 anos

(pág.51/52)

- Conta-me agora uma história sem dinheiro - pedi eu ao meu amigo.

-Queres então uma história sentimental?

- Isso.

- História de sentimento aldeão? Eu não posso contar de outras. Bem sabes que da vida das cidades nada sei.

- Vejamos: pode bem ser que me vás referir cousas muito originais!

- Onde tu vens!... originalidade!

- Onde devo ir. Nas cidades é que já não há sentimento de originalidade nenhuma. As paixões, de lá, boas e más, têm tal analogia, que parece haver uma só manivela para todos os corações. Esta identidade é grande parte na monotomia dos meus romances. Há duas ou três situações que, mais ou menos, ressaem no enredo de vinte dos meus volumes, cogitados, estudados, e escritos nas cidades. Quando quero retemperar a imaginação gasta, vou caldeá-la à incude do viver campesino. Avoco lembranças da minha infância e adolescência, passadas na aldeia, e até a linguagem me sai de outro feitio, singela sem afectação, casquilha sem os requebrados volteios, que lhe dão os invezados estilistas bucólicos. Assim que descaio em dispor as cenas da vida culta, aí vem a verbosidade estrondosa, o tom declamatório, as infladas objurgatórias ao vício, ou panegíricos, tirados à força da violentada consciência, a umas inocentes virtudes, que me têm granjeado descréditos de romancista da lua. Conta-me, pois, uma história sentimental, meu amigo.

(...)

In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

27 de maio de 2009

IV - A conteira

(pág. 35)
- Porque não fazes um volume deste facto? - perguntou António Joaquim.
- Hei-de ver se faço seis volumes, meu amigo. Terás tu muitas histórias para me contar? Vê lá, meu filho. Se eu achava nesta liteira esqueletos para os cem livros que tenciono escrever em dez anos!...

- Então vocês chamam esqueletos às histórias que apanham de orelha? É bem posto o nome, atendendo à magreza dos livros que fazem!... Que histórias queres tu? De dinheiro?
- E sem dinheiro; servem-me todas.
- Queres tu uma que sucedeu há três meses no meu concelho? Se duvidares, vai lá sabê-lo.
- Ó homem, eu creio em ti; e, se não acreditasse, também não iria informar-me. Eu dispenso-te de me dar provas que o leitor me não pede a mim.
(...)

In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

26 de maio de 2009

III - Maldito seja entre vós quem jogar


Mais umas ironias do romancista da lua... ou romancista descabelado, como lhe chama António Joaquim, nesta história.


(Pág. 26)
(...)
- Fala sério, homem! - atalhou António Joaquim - Tu tens a tua independência feita e estás no caminho de...
- Morrer...
- Com cem contos, e uma estátua na tua terra, à custa da nação agradecida.
- Estátua do espanto me fazes tu, amigo António! Se não fosses engraçado, serias tolo! Pois tu cuidas que eu vivo dos romances?
- Cuidei...
- Nada, não... Eu vivo da glória. Descobri em mim um segundo aparelho digestivo, que elabora, em substância nutritiva, a glória.
- Isso parece-me útil - obtemperou o meu amigo; - porém, seria justo que tivesses teu um décimo do dinheiro que tens dado a tanta gente...
- A quem?!
- Aos personagens das tuas novelas.
(...)
In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

25 de maio de 2009

I e II - A égua que salva



A cada história, emprestava Camilo o seu tom irónico, galhofeiro,... de quem sabia fazer espírito.


Repassarei algumas dessas passagens, no seu diálogo com António Joaquim.

« - Isso não é questionar, é fazer espírito - interrompi. - Seja o que for, é uma cousa que depõe vantajosamente a favor da tua habilidade galhofeira. Em todo o caso, entendes tu que não há mulher que salve!
- Entendo. Cousa que salve há uma só: é a experiência das mulheres que perdem. Ainda há uma outra, que não ouso dizer-te com medo que me julgues um zombeteiro de mau gosto.
- Que cousa é essa?...diz lá!
- É uma égua brava.
- Uma égua brava?! Que mangação!
- Ouve lá a história de uma égua que salva
(...)

«Tratou ele de colher vingança por mais covardes traças.
Denunciou ao pai de Maria os nossos breves diálogos da janela do muro. A mãe, esforçada pelo nariz que eu trasladara, sem malícia, na parede da igreja, instigou o marido, fumegando vaporações de raiva pelo nariz original. Foi a menina proibida de ir ao miradouro.»
(...)

«A srª Joana passou a esponja da razão sobre o nariz pintado; o sr. João, marido dela, esqueceu a ofensa involuntária às suas pombas; minha mãe chorou as derradeiras lágrimas sobre a mitra dos seus sonhos episcopais; e meu pai foi obrigado a concordar que os trajos das senhoras cidadãs não pegavam nem implicavam desonestidade às meninas das aldeias. Os dois clérigos deram por concluída, cooperante a protecção divina, a sua missão, e escreveram os proclamas para serem lidos nos três dias santificados.»


In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.

24 de maio de 2009

22 de Maio: Vinte Horas de Liteira


VINTE HORAS DE LITEIRA – em abertura das obras de Camilo, nas conversas e nas ideias que se possam cruzar, pelos elementos inscritos em Noites de Insónias.

Um livro de um magnetismo total, que me prendeu, noite após noite, ao leito da minha insónia. Quando o terminei de ler, ficou-me a nostalgia do apear-me de uma companhia espirituosa e plena de Alma, como a de Camilo Castelo Branco.

Como diz no prefácio deste livro, “Vinte horas de Liteira faz-nos acompanhar Camilo em viagem de Vila Real ao Porto, viagem que motiva, justifica e suporta um seu diálogo com António Joaquim, suposto companheiro do hipotético percurso.”

São dezasseis histórias, que embora produtos da imaginação fantasiosa de Camilo, não perdem vida e valor, “como documentos singularmente fidedignos da sociedade portuguesa de Oitocentos.”- (em nota editorial).

Uma escolha muito feliz, sugerida pelo nosso guia camiliano, o professor Cândido Oliveira Martins. E feliz, porque para quem não lê Camilo há muito, este livro, pouco volumoso, leva-nos a memórias e a imaginações de outros livros de Camilo, como se esta pequena/grande obra fosse uma amostra, o “sumo” bem espremido de todas as outras.

Para quem não conhece Camilo, fica a conhecê-lo como um homem ligado à vida do campo e, como escritor, recorrendo a vários meios e a estilos de linguagem, como o próprio escreveu em “História das janelas fechadas há 30 anos” (págs. 51/52):

“Quando quero retemperar a imaginação gasta, vou caldeá-la à incude* do viver campesino. Avoco lembranças da minha infância e adolescência, passadas na aldeia, e até a linguagem me sai de outro feitio, singela sem afectação, casquilha sem os requebrados volteios, que lhe dão os invezados estilistas bucólicos. Assim que descaio em dispor as cenas da vida culta, aí vem a verbosidade estrondosa, o tom declamatório, as infladas objurgatórias** ao vício, ou panegíricos***, tirados à força da violentada consciência, a umas inocentes virtudes, que me têm granjeado descréditos de romancista da lua."

Decorreu esta sessão num clima de entusiasmo, procurando reflectir o espírito camiliano, as ironias, a soberania na linguagem, a riqueza de quem possui uma sensibilidade que contempla, sobretudo, a alma humana.
Para finalizar o convívio é oferecido um vinho do Porto pela Casa de Camilo, mais uns docinhos... como oferta extra, 'rotativa', sugerida pelo seu representante: Dr. José Manuel Oliveira; desta vez, suplantado pelo amigo Jerónimo Oliveira, que nos fez apear da Liteira e comer um bom presunto, salpicão, azeitonas, pão e bolo caseiro, tudo regado com um bom vinho branco, daqueles que escorregam pela garganta e sobem pela nuca.

Não foi do vinho, mas suspirei...!

«Ah…! Quanto daria eu para ver Camilo refastelar-se à mesa de sua antiga casa, saboreando deste rico manjar minhoto, contando-nos as histórias de anjos diplomatas em negociações de inocentes afectos, nas viagens de mais do que vinte horas de outros céus,... de coração alegre, lúcido, perfumado e intumecido de delícias…»

Resta-me a consolação de saber que a 17 de Junho, retomaremos mais uma conversa, com "Coração, Cabeça e Estômago"!

Nota: Foi ainda comentada a falta de umas notas de rodapé nas obras - a trocarem certa "verbosidade estrondosa" de Camilo, direccionada mais para a vida culta, por alguns significados mais casquilhados, mais ao modo do viver campesino - como este onde nos encontramos, na Casa de Camilo, em S. Miguel de Seide.
Dicionário de palavras: *incude - bigorna; **ojurgatórias - censuras; ***panegíricos - louvores
Agora o registo fotográfico:

23 de maio de 2009

A primeira comunidade de leitores - 15 de Maio


Leitores de Camilo reúnem-se na Casa de Seide
Maio 15, 2009 por casadecamilo



Um texto de Amadeu Gonçalves


A primeira comunidade de leitores em torno da obra e da textualidade de Camilo Castelo Branco, organizada pela Casa-Museu em S. Miguel de Seide, V. N. de Famalicão, reuniu-se pela primeira vez no passado dia 30 de Abril.Inserida na actividade Noites de Insónia, teve como mediador Cândido Oliveira Martins, professor da Faculdade de Filosofia de Braga/Universidade Católica Portuguesa, que escolheu para este primeiro encontro a obra Memórias do Cárcere (MC), decorrendo a sessão de uma forma bastante informal, comunicando os presentes entre si o que a leitura da obra seleccionada lhes proporcionou. Se a comunidade, neste primeiro encontro, tinha em si alguns especialistas da obra camiliana, curiosos e outros simples leitores, o que então se verificou foi uma simples troca de ideias perante o que a obra de Camilo revela.Para Cândido Martins, a questão da escolha das MC para esta primeira sessão da comunidade leitores camiliana, deve-se, particularmente, às seguintes razões: o sucesso editorial da obra e a publicação de algumas histórias contidas na narração com várias edições, caso de José do Telhado, o pendor narrativo, o qual evidencia o factor de coesão, apesar de poder evidenciar ao seu leitor uma estrutura desconexa, e, na sua sequência, tais histórias narrativas transmitem a ideia de potenciais romances, e, finalmente, evocou o cenário da prisão, o qual foi ímpar de observação para analisar a psicologia humana, nas suas misérias e grandezas. Cândido Martins salientou também Camilo na sua plena maturidade perante a arte de contar, assim como também a actividade profícua na prisão, entre leituras (as quais algumas são ficcionais, digo) escreve Doze Casamentos Felizes, Amor de Perdição e textos jornalísticos.

(...)


O resto do texto em Casa de Camilo

17 de maio de 2009

Trilho da Cangosta do Estevão

Photobucket

Foto da autora deste blogue.



Nestas noites em que os museus estão de portas abertas ao público, nas comemorações do Dia dos Museus, os funcionários da Casa Camilo Castelo Branco, do Centro de Estudos Camilianos e do Grupo de Caminheiros da GRUCAMO, em Seide, Vila Nova Famalicão, meteram pés a caminho e convidaram o público a percorrer e a viver os trilhos de Camilo, conforme apelidaram de: “Cangosta do Estevão”.
“Pelos caminhos deste recanto minhoto percorridos pelos passos de Camilo nas suas deslocações a Landim, vamos hoje reviver esses momentos de evasão do nosso romancista.”
Apesar do tempo chuvoso, ultimaram-se os preparativos para a caminhada no átrio do Centro de Estudos Camilianos.
Alguns vestidos a preceito, outros bem resguardados de capa e guarda-chuva, partimos nós de autocarro até ao Mosteiro de Landim.
Ali começaram as pequenas dramatizações relatando episódios do romancista, das suas Novelas Minhotas e até da Murraça.
Foram quatro momentos divertidos, de lanterna em punho alumiando os ‘escritos’ e… os pés das damas de vestido longo, que foram arrastando os seus vestidos rendados nos lamaçais dos caminhos.
Houve alturas em que os perigos eram eminentes, não pelos assaltos do Zé do Telhado, mas pelas escuras ruelas, pelos carreiros lamacentos em campos recém-lavrados, pelas silvas encobrindo bermas – onde um passo em falso nos levaria a desaparecer na escura noite ou, no riacho Pele. Valeram-nos os caminheiros da Grucamo, muito experientes nestas cousas de perigos, abrindo braços e protegendo-nos as bordas.
O nosso anfitrião, Camilo Castelo Branco, protagonizado pelo guia do museu, o Reinaldo, cavalheiro de falas de cor, de conhecimento profundo da obra, que leva os ouvintes a pensarem-no possesso pelo pensamento do romancista descabelado – como diria António Joaquim se se apeasse da liteira e assistisse a tal procissão nocturna.
Com Camilo à conversa desde o Mosteiro de Landim, mais o Cego, mais a Brasileira de Prazins e a Maria Moisés, éramos chegados ao Centro de Estudos para descanso da passeata, percorridos 2.400 metros.
E para animar a malta, já que na vida do representante de Camilo há uma boina e uma viola, aí temos o Reinaldo mais a sua cantadeira – a Fátima, que juntamente com o resto do grupo “Pedra D´Água” dão vida a um serão da província.
E como surpresa final, num ambiente descontraído e alegre, retemperaram-se energias com os tradicionais rojões à moda do Minho, pão de milho, caldo verde e um bom vinho; tudo servido em louça de barro com a inscrição de “Camilo” – para que não restassem dúvidas.
Assim terminou uma noite que ameaçava chuva… mas não choveu e deu vida a um Museu.

Ver fotos e o resto dos textos em: http://lucy-natureza.blogspot.com/search/label/Museu-Casa%20de%20Camilo

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Casa de Camilo - Noites de Insónia

«As “Noites de Insónia” têm como finalidade a descoberta de formas diferentes de aproximação aos textos camilianos, através da discussão em grupo de determinadas obras, escolhidas previamente. Do gosto pela leitura e da conversa sobre o que se lê, da troca de opiniões, de pontos de vista, de associações, procuraremos criar cumplicidades e desenvolver o gosto por uma leitura mais activa e partilhada da obra do romancista de Seide.» http://camilocastelobranco.org/index2.php?co=569&tp=6&cop=260&LG=0&mop=604&it=evento_lst Coordenadores: 2009 - Professor Cândido Oliveira Martins - Universidade Católica de Braga 2010 - Professor Sérgio Guimarães de Sousa - Universidade do Minho 2011 - Prof. João Paulo Braga

Encontros 2012 - Professor Sérgio

15 Fevereiro - "Memórias do Cárcere" - Discurso Preliminar
7 Março - "Memórias do Cárcere" - Do I capítulo ao V

Encontros 2011 - Professor Paulo

2011 "A Viúva do Enforcado" - 16 de Novembro - 21:30 "A Filha do Arcediago" - 19 de Outubro - 21:30 "As Aventuras de Basílio Enxertado" - 21 de Setembro - 21:30 "Maria Moisés" - 9 de Julho - 21:30 "O Cego de Landim" - 15 de Junho - 21:30 "O Retrato de Ricardina" - 4 de Maio - 21:30 "A Corja" - 6 de Abril - 21:30 "Eusébio Macário" - 9 de Março - 21:30 "A Sereia" - 9 de Fevereiro - 21:30

Encontros 2010 - Professor Sérgio

"Memórias de um suicida" - 30 de Novembro - 20h "O que fazem Mulheres" - 6 de Outubro - 21:30h "O Amor de Perdição" - 16 Junho - 20h "O Senhor do Paço de Ninães" - 21 Abril - 21h30 "Anátema" - 24 Março - 21h30 "A Bruxa de Monte Córdova" - 24 Fevereiro - 21h30 "A Queda dum Anjo" - 20 Janeiro - 21h30

Encontros 2009 - Professor Cândido

"Estrelas Propícias" - 11 Novembro - 20h "A Brasileira de Prazins" - 21 Outubro - 21h00 "Novelas do Minho" - 16 Setembro - 21h30 "Coração, Cabeça e Estômago" - 17 Junho - 21h30 "Vinte horas de Liteira" - 22 Maio - 21h30 "Memórias do Cárcere" - 30 Abril - 21h30