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(...)
- Eu queria ser caixeiro - disse Manuel.
- Escreva aí o seu nome - disse o negociante.
Manuel pegou da pena como quem pega numa verruma, e furou o papel três vezes antes de escrever o M.
- Está bom, está bom - acudiu o outro sorrindo; - já vejo que tem letra inglesa!... E quer você ser caixeiro! Estava mais talhado para professor de primeiras letras. Quem escreve assim, o que deve é ensinar a escrever. Vejamos como está de contas. Faça aí uma operação de quebrados. Ponha lá...
Manuel esbugalhou os olhos, e exclamou:
- O quê?
- Você sabe a regar de três? sabe as quatro operações aritméticas?
- Eu não sei nada disso, senhor!
- Pois não sabe fazer contas?!
- Sei cá p'ra me remediar; mas lá disso de ... como é?... a gente, quando lhe faz minga, conta pelos dedos.
- Ora, meu amigo - radarguiu o compassivo português, vá-se embora; fuja do Brasil, se cá não quer dar ossada. Você não tem senão o recurso da enxada; enxada por enxada, vá trabalhar na sua terra: um jornal de quatro vinténs por dia é lá melhor que três patacas no Brasil.
- Graças a Deus, eu que tenho bens meus onde trabalhar - replicou Manuel. - As minhas terras valem oitenta centos.
- Pois você é lavrador, tem bens, e vem para o Brasil procurar fortuna? Sabe que mais, se não quer ir para Portugal, vá para o diabo, que eu não questiono doudos.
Manuel saiu confundido e com a alma de negro. Não falando já nos pretos que via, tudo lhe parecia da cor da alma.
(...)
In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.
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