(pág. 119 - 120)
(...)
- Este Miguel de Barros - disse eu a António Joaquim, - se não tivesse meninos, havia de conversar agradavelmente na cultura da abóbora e do feijão frade...
- Cala-te aí, selvagem! - atalhou o meu amigo - Se tu soubesses que as criancinhas foram os arcanjos redentores da alma e coração derrancados deste homem!...
- Então é cousa de história de amor do teu amigo aos meninos?
- É e verás. Miguel de Barros foi o homem que eu conheci mais precoce em desmoralizar-se. Aos vinte anos, dispunha de sua plena liberdade, de seus instintos maus, e de muito dinheiro, que ele escondera da vigilância do tutor, quando lhe morreu a mãe. Foi para Lisboa lapidar o brilhante bruto da sua bruta educação, e veio de lá aos vinte e quatro anos, assim, que o dinheiro se lhe acabou, e o conselho de família lhe restringiu as pensões.
Sem Deus, sem lei, sem mínima ideia de deveres, agora entrego à tua imaginação, e conjectura tu o que faria um rapaz de insinuante aspecto, lustrado com o polimento dos salões da capital, bem-falante, afeminado quanto convinha nas frivolidades gratas às damas de todo o mundo, e nomeadamente às damas da terra dele. Lido em histórias de amores aventurosos, tomou para modelo de sua alegre juventude os personagens mais simpáticos, e quis, à força da poesia, intercalada de prosa, enflorar as suas patrícias, fazendo-as também personagens, chamando Elviras umas, Ofélias outras, outras Desdémonas, Virgínias algumas, e pelos modos achou de tudo, ou tudo compôs com a sua prosa e poesia.
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In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.
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