Ontem, 27 de Outubro deste ano de 1864, quando eu, à conta da pequenez do livro, cuidava em alinhavar outra história, que o meu amigo provavelmente me não contou, anunciou-se-me um sujeito de botas de água e cobrejão.
Era António Joaquim.
Haviam decorrido cinco anos sem nos vermos.
- Como estás nutrido! - exclamou ele.
- É a gordura da felicidade! - disse eu, apalpando os perigalhos da barba para me convencer da minha nutrição - E tu? que nediez! que elefante de força e saúde! És o emblema do Minho em carne; em osso não digo, porque tu deixaste de pertencer aos animais vertebrados: és um molusco inteligente, António! Como ficou a tua família? Os teus rapazes? Os teus sócios da arca santa em que mareias sobre este cataclismo de corrupção universal?
- Estão todos bons. A única pessoa corrompida da arca sou eu.
- Tu!'
- Eu, sim, desde que involuntariamente dei direito a que o meu nome se leia em vinte e tantos folhetins do Comércio do Porto. A pureza da minha vida e costumes quem ma dava era a obscuridade. Enquanto o mundo me desconhecesse, sabia eu que o meu esconderijo seria defeso à curiosidade malévola e pestilencial; porém, desde que me fizeste viver e discorrer, e parvoejar, como qualquer sócio deste funesto clube, chamado a sociedade, a minha pessoa, o eu subjectivo, deixou de ser eu, e passou a ser tu. Quero dizer que aniquilaste a minha individualidade típica: consubstanciaste-me na matéria universa; e contaminaste-me da peste geral.
Foste ingrato a quem te deu a liteira para vinte horas!
(...)
In Vinte Horas de Liteira - C.C.B.
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