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- Conta-me agora uma história sem dinheiro - pedi eu ao meu amigo.
-Queres então uma história sentimental?
- Isso.
- História de sentimento aldeão? Eu não posso contar de outras. Bem sabes que da vida das cidades nada sei.
- Vejamos: pode bem ser que me vás referir cousas muito originais!
- Onde tu vens!... originalidade!
- Onde devo ir. Nas cidades é que já não há sentimento de originalidade nenhuma. As paixões, de lá, boas e más, têm tal analogia, que parece haver uma só manivela para todos os corações. Esta identidade é grande parte na monotomia dos meus romances. Há duas ou três situações que, mais ou menos, ressaem no enredo de vinte dos meus volumes, cogitados, estudados, e escritos nas cidades. Quando quero retemperar a imaginação gasta, vou caldeá-la à incude do viver campesino. Avoco lembranças da minha infância e adolescência, passadas na aldeia, e até a linguagem me sai de outro feitio, singela sem afectação, casquilha sem os requebrados volteios, que lhe dão os invezados estilistas bucólicos. Assim que descaio em dispor as cenas da vida culta, aí vem a verbosidade estrondosa, o tom declamatório, as infladas objurgatórias ao vício, ou panegíricos, tirados à força da violentada consciência, a umas inocentes virtudes, que me têm granjeado descréditos de romancista da lua. Conta-me, pois, uma história sentimental, meu amigo.
(...)
In "Vinte Horas de Liteira" - C.C.B.
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