(p. 153-154)
- É chegada a ocasião de eu te contar uma história, se bem que sinceramente me dói o privar-me, entretanto, de ouvir-te - disse eu, no tom cortesão de qualquer dos estafadores da «Corte na Aldeia» de Rodrigues Lobo. - - A história dos brilhantes de tua prima sugere-me uma recordação de certo acontecimento que me faz rir muito, e que eu decerto, não sei reproduzir com graça. O caso passou-se em Lisboa, há quinze anos.
Um meu amigo, chamado José Cabral, rapaz mui galanteador e galanteado, rendia os seus afectos a uma secular recolhida num convento dos mais elegantes de Lisboa. Era uma senhora de meia-idade, ou da Idade Média, como José Cabral esturdiamente emendava, quando, com a zombaria, cuidava rebater as facécias de quem o carpisse nos seus amores aos quarenta anos de D. Paula Manuel Chichorro. Esta dama tinha sangue nobilíssimo nas veias, e um património regular, mas de cabeça era desconsertada algum tanto, por amor da mania, vinte e cinco anos inveterada, de fazer-se eterna nos versos de um poeta, como a Marília do Gonzaga, e a Elvira do poeta das «Meditações».
Neste propósito, deixou-se cortejar de vários poetas, alguns dos quais, desde 1834 até 1844, lhe consagraram e publicaram versos, que deviam dar-lhe eternidade à ilustre dama, se fossem lidos. Aqueles anos correram tumultuosos de comoções políticas. Qualquer florinha de poesia era desarreigada pelas borrascas da prosa das finanças, e atirada aos quatro ventos, que sacodem as ventarolas da humanidade. Assim, se explica, sem desdouro dos bardos, cantores de D. Paula Chichorro, o passar-se-lhe a década mais florida de graças, sem que o mundo soubesse quem lhe preludiava a eternidade em redondilha maior.
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In Vinte horas de Liteira - C.C.B.
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