VINTE HORAS DE LITEIRA – em abertura das obras de Camilo, nas conversas e nas ideias que se possam cruzar, pelos elementos inscritos em Noites de Insónias.
Um livro de um magnetismo total, que me prendeu, noite após noite, ao leito da minha insónia. Quando o terminei de ler, ficou-me a nostalgia do apear-me de uma companhia espirituosa e plena de Alma, como a de Camilo Castelo Branco.
Como diz no prefácio deste livro, “Vinte horas de Liteira faz-nos acompanhar Camilo em viagem de Vila Real ao Porto, viagem que motiva, justifica e suporta um seu diálogo com António Joaquim, suposto companheiro do hipotético percurso.”
São dezasseis histórias, que embora produtos da imaginação fantasiosa de Camilo, não perdem vida e valor, “como documentos singularmente fidedignos da sociedade portuguesa de Oitocentos.”- (em nota editorial).
Uma escolha muito feliz, sugerida pelo nosso guia camiliano, o professor Cândido Oliveira Martins. E feliz, porque para quem não lê Camilo há muito, este livro, pouco volumoso, leva-nos a memórias e a imaginações de outros livros de Camilo, como se esta pequena/grande obra fosse uma amostra, o “sumo” bem espremido de todas as outras.
Para quem não conhece Camilo, fica a conhecê-lo como um homem ligado à vida do campo e, como escritor, recorrendo a vários meios e a estilos de linguagem, como o próprio escreveu em “História das janelas fechadas há 30 anos” (págs. 51/52):
“Quando quero retemperar a imaginação gasta, vou caldeá-la à incude* do viver campesino. Avoco lembranças da minha infância e adolescência, passadas na aldeia, e até a linguagem me sai de outro feitio, singela sem afectação, casquilha sem os requebrados volteios, que lhe dão os invezados estilistas bucólicos. Assim que descaio em dispor as cenas da vida culta, aí vem a verbosidade estrondosa, o tom declamatório, as infladas objurgatórias** ao vício, ou panegíricos***, tirados à força da violentada consciência, a umas inocentes virtudes, que me têm granjeado descréditos de romancista da lua."
Decorreu esta sessão num clima de entusiasmo, procurando reflectir o espírito camiliano, as ironias, a soberania na linguagem, a riqueza de quem possui uma sensibilidade que contempla, sobretudo, a alma humana.
Decorreu esta sessão num clima de entusiasmo, procurando reflectir o espírito camiliano, as ironias, a soberania na linguagem, a riqueza de quem possui uma sensibilidade que contempla, sobretudo, a alma humana.
Para finalizar o convívio é oferecido um vinho do Porto pela Casa de Camilo, mais uns docinhos... como oferta extra, 'rotativa', sugerida pelo seu representante: Dr. José Manuel Oliveira; desta vez, suplantado pelo amigo Jerónimo Oliveira, que nos fez apear da Liteira e comer um bom presunto, salpicão, azeitonas, pão e bolo caseiro, tudo regado com um bom vinho branco, daqueles que escorregam pela garganta e sobem pela nuca.
Não foi do vinho, mas suspirei...!
«Ah…! Quanto daria eu para ver Camilo refastelar-se à mesa de sua antiga casa, saboreando deste rico manjar minhoto, contando-nos as histórias de anjos diplomatas em negociações de inocentes afectos, nas viagens de mais do que vinte horas de outros céus,... de coração alegre, lúcido, perfumado e intumecido de delícias…»
Resta-me a consolação de saber que a 17 de Junho, retomaremos mais uma conversa, com "Coração, Cabeça e Estômago"!
Resta-me a consolação de saber que a 17 de Junho, retomaremos mais uma conversa, com "Coração, Cabeça e Estômago"!
Nota: Foi ainda comentada a falta de umas notas de rodapé nas obras - a trocarem certa "verbosidade estrondosa" de Camilo, direccionada mais para a vida culta, por alguns significados mais casquilhados, mais ao modo do viver campesino - como este onde nos encontramos, na Casa de Camilo, em S. Miguel de Seide.
Dicionário de palavras: *incude - bigorna; **ojurgatórias - censuras; ***panegíricos - louvores
Agora o registo fotográfico:
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