- Não tens uma história de feitiços que me contes? - disse eu ao meu amigo.
- De feitiços não me lembra história nenhuma; porém, no género mágico, posso contar-te o que sucedeu a meu tio João Manuel com o livro de S. Cipriano. Tu sabes que nunca houve Cipriano nenhum que escrevesse tal livro...
(...)
Meu tio, o padre, e um cavador da confiança de meu tio, carregado de virtualhas para um dia, e de instrumentos para as primeiras explorações, subiram, há trinat e tantos anos, ao espinhaço da serra de Vermoim. O padre era muito mais alumidao que meu tio em história. Sentou-se ele numa fraga, depois que almoçaram, e contou que um príncipe turco da Mourama vivera naquele sítio com muitas riquezas roubadas aos cristãos.
(...)
Posto isto assim com esta clareza histórica, verdade que escapou aos cronicões dos monges, que escreveram a mitologia de Portugal, o padre barrosão disse que os tesouros deviam de estar a curta distância da cisterna, cujos bordos eram ainda visíveis na superfície escabrosa da chã, em que o castelo se sepultara. Meu tio conformou-se a este sensato parecer; e começaram os trabalhos de escavação, depois de beberem um bom trago da borracha, tesouro que eles tinha, levado, sem indicações de S. Cipriano.
(...)
Como a noute dá conselho, meu tio e o padre deliberaram partir para o Porto de madrugada, e oferecer as pedras à análise de peritos para lhes determinarem o valor.
O ar misterioso com que eles se apresentaram a um ourives faceto da Rua das Flores, foi uma solene recomendação de sua tolice. O primeiro impulso do ourives foi dar-lhes com os dous calhaus na cabeça deles; porém, amigo de rir-se, mudou de cara, fez-se pasmado da riqueza do achado, contrastou as pedras, e exclamou cavamente:
- Onde acharam os senhores esta riqueza?
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In "Vinte horas de Liteira" - C.C.B.
2 comentários:
Olá, passei por aqui. Gostei dos textos e das imagens.Abrç cordial. Mauro.
Mauro,
Gostei, igualmente, dos seus blogues. Além do prazer que proporciona, ler e aprender não ocupam lugar - como diz o ditado.
Se precisar de mais informação do nosso escritor Camilo Castelo Branco, faça o favor de dizer.
Um abraço,
Lucília
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