Tem-se discutido se é a qualificação de romance ou a de novelista que mais convém a Camilo. Sem pretendermos reatar aqui tal discussão, que evidentemente parte de uma distinção entre romance e novela, aceitável parece que o grande escritor haja possuído o génio sintético, directo e de certo modo linear do novelista. Sendo, porém, o romance um género volúvel e multiforme, - coisa a que nem sempre atendemos quando definimos romance sobretudo pelos grandes romances europeus do século XIX - igualmente se nos afigura devermos reconhecer que várias produções ficcionistas de Camilo merecem o nome de romances. O Demónio do Ouro é uma delas. E é o que se pode chamar um folhetim...
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Provavelmente não é um dos melhores livros de Camilo, como em parte já no-lo podem fazer suspeitar as propriedades que lhe apontámos: As suas obras primas são, no geral, mais simples, menos intrincadas, avançando mais rectamente para o desfecho trágico... ou feliz.
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A presença de Camilo em O Demónio do Ouro como em tantos outros dos seus romances e novelas, eis portanto, por um lado, a razão de certos desequilíbrios de tais obras. E por outro lado se torna essa presença um dos seus encantos, - uma aliciante companhia: Não é a dum comentador excelente, dum poeta conhecedor da comédia humana, dum subtil humorista às vezes, dum ironista muito pessoal, dum violento zombador a quem não fica alheio o chamado humor negro? Sendo uma espécie de suma das características do autor, (onde o fascínio dum grande amor infeliz, tão do seu gosto, não pôde entrar) certamente permanece. O Demónio do Ouro - e até nos excessos! - uma das suas grandes obras representativas.
José Régio (Nota Preliminar in "O Demónio do Ouro" - 6ª edição, 1970)
Um romance em dois volumes.
Começa assim:
O Demónio do Ouro - I
«João Veríssimo Vieira, mestre de primeiras letras na vila da Póvoa de Lanhoso, em 1750, era homem de bem, e suficientemente entendido no seu magistério. Tinha estudado para padre, e prometia então, com o porte exemplar da sua mocidade, vir a ser modelo de clérigos; mas, aos vinte e um anos, quando já revestia sobrepeliz e garganteava salmos nos mortuórios, viu em hora esquerda uma pobre quanto esbelta moça de olhos tão feiticeiros que não houve mais delinçar-se dela.»
E termina assim o primeiro volume: XXXIII
«Meu filho, o anjo do infortúnio faz muito menos vítimas que o demónio do ouro.»
Foto da autora deste blogue.
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