Casa de Camilo

Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco
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Seide Saúda-vos!

6 de outubro de 2010

O que Fazem Mulheres - Camilo Castelo Branco

"O que Fazem Mulheres" - hoje, às 21:30h, na reunião de leitores das Noites de Insónia, na Casa de Camilo.


ROMANCE PHILOSOPHICO

QUARTA EDIÇÃO

1907
PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA Livraria editora e Officinas Typographica e de
Encadernação Movidas a electricidade Rua Augusta--44 a 54 LISBOA
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A TODOS OS QUE LEREM

É uma historia que faz arripiar os cabellos.
Ha aqui bacamartes e pistolas, lagrimas e sangue, gemidos e berros, anjos e demonios.
É um arsenal, uma sarrabulhada, e um dia de juizo!
Isto sim que é romance!
Não é romance; é um soalheiro, mas tragico, mas horrivel, soalheiro em que o sol esconde a cara.

Como da seva mesa de Thyestes
Quando os filhos por mão de Atreu comia.


Escreve-se esta chronica em quanto as imagens dos algozes e victimas me cruzam por diante da phantasia,

como bando de aves agoureiras, que espirram de pardieiro esboroado, se as acossa o archote de um

phantasma.

Tenebroso e medonho! É uma dança macabra! um tripudio infernal! cousa só semelhante a uma novella

pavorosa das que aterram um editor, e se perpetuam nas estantes, como espectros immoveis.

Ha ahi almas de pedra, corações de zinco, olhos de vidro, peitos de asphalto?

Que venham para cá.

Aqui ha cebola para todos os olhos;

Broca para todas as almas;

Cadinhos de fundição metallurgica para todos os peitos.

Não se resiste a isto. Ha-de chorar toda a gente, ou eu vou contar aos peixes, como o padre Vieira, este

miserando conto.

Os dias actuaes são melancolicos; a humanidade quer rir-se; muita gente, séria e sisuda, se compra um

romance, é para dar treguas ás despoetisadas e pêcas realidades da vida.

Sei-o de mais. Eu tambem compro os livros dos meus amigos, para espairecer de meditações serumbaticas em que me anda trabalhado o espirito.

Sei quantos devo, e que favores impagaveis me deveria, leitor bilioso, se eu lhe encurtasse as horas com

paginas galhofeiras, picarescas, salitrosas, travando bem á malagueta, nos beiços de toda a gente, afóra os

seus.

Tenha paciencia: ha de chorar ainda que lhe custe.

Se respeita a sua sensibilidade, fique por aqui; não leia o resto, que está ahi adiante uma, ou duas são ellas, as scenas das que se não levam ao cabo, sem destillar em lagrimas todos os liquidos da economia animal.

Este romance foi escripto n'um subterraneo, ao bruxolear sinistro de uma lampada.

Alfredo de Vigny não diz que escreveu um drama, ás escuras, em vinte dias? E Frederico Soulié não se

rodeava de esqueletos e esquifes?

E outros não se espertaram com todos os estimulos imaginaveis de terror? Menos o do subterraneo... este é

meu, se me dão licença.

Pois foi lá que eu desentranhei do seio estes lobregos lamentos.

No fim de cada capitulo, vinha ao ar puro sorver alguns átomos de oxigenio, e todos me perguntavam se eu

tinha pacto com o diabo.

Almas plebeias! não sabem o que é a fidalguia do talento, que tem alcaçar nos astros, e nos antros lobregos da terra; não entendem este fadario do «genio», que elles chamam «excentricidade», como se não houvesse um nome portuguez que dar a isto.

O leitor sabe o que isto é? Já sentiu na alma o apertar de um caustico? Excruciaram-no, alguma vez, os

flagellos da inspiração corrosiva, como duas onças de sublimado?

Se não sabe o que isto é, estude pharmacia, abra um expositor de chimica mineral, e verá.

Não cuidem que podem ler um romance, logo que soletram. Precisam-se mais conhecimentos para o ler que

para o escrever. Ao auctor basta-lhe a inspiração, que é uma cousa que dispensa tudo, até o siso e a

grammatica. O leitor, esse precisa mais alguma cousa: intelligencia;--e, se não bastar esta, valha-se da

resignação.

Ora, está dito tudo.

Leiam isto, que é verdadeiro como o «Agiologio» de Ribadaneira, como as «Peregrinações» de Fernão

Mendes, como todos os livros legados de geração a geração com o sinete da crença universal.
 
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A ALGUNS DOS QUE LEREM

Não será uma acção meritoria amoldurar em fórmas verosimeis a virtude, que os pessimistas acoimam de

impraticavel n'este mundo? Hão de só crer nas façanhas do crime, nas hyperboles da maldade humana, e negar

as perfeições do espirito, descrêr o que ultrapassa as balisas de uma certa virtude convencional, que não custa

dores a quem a usa?

Se os espanta as excellencias da mulher que vou debuxar, antes de m'as impugnarem, afiram-se pela natureza,

interroguem-se, concentrem-se no arcano immaculado da sua consciencia. Se me rejeitam a verdade de

Ludovina, se me dizem que a este inferno do mundo não podia baixar tal anjo, sabem o que é esse descrer? é

apoucamento de alma para idear o bello; é o regelo do coração que rebate as imagens ainda aquecidas do

halito puro da divindade.

Se a mulher assim fosse impossivel, o romancista que a inventou, seria mais que Deus.
 
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CAPITULO AVULSO

PARA SER COLLOCADO ONDE O LEITOR QUIZER

Francisco Nunes...

Que nome tão peco e charro! Francisco Nunes!

Pois se o homem chamava-se assim!?

Deus sabe que tristezas eram as d'elle por causa deste Nunes. O rapaz tinha talento de mais para escrever

folhetins lyricos, e outras cousas. Pois nunca escreveu por que não queria assignar-se Nunes.

Ha appellidos que parecem os epitaphios dos talentos.

Um escriptor Nunes morre ao nascer.

Bem o sabia elle.

Houve em Portugal um escriptor chamado Antonio José. Se a inquisição o não queima, ninguem se lembrava

hoje d'elle.
 
(...)
 
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«As “Noites de Insónia” têm como finalidade a descoberta de formas diferentes de aproximação aos textos camilianos, através da discussão em grupo de determinadas obras, escolhidas previamente. Do gosto pela leitura e da conversa sobre o que se lê, da troca de opiniões, de pontos de vista, de associações, procuraremos criar cumplicidades e desenvolver o gosto por uma leitura mais activa e partilhada da obra do romancista de Seide.» http://camilocastelobranco.org/index2.php?co=569&tp=6&cop=260&LG=0&mop=604&it=evento_lst Coordenadores: 2009 - Professor Cândido Oliveira Martins - Universidade Católica de Braga 2010 - Professor Sérgio Guimarães de Sousa - Universidade do Minho 2011 - Prof. João Paulo Braga

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