ROMANCE PHILOSOPHICO
QUARTA EDIÇÃO
1907
PARCERIA ANTONIO MARIA PEREIRA Livraria editora e Officinas Typographica e de
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A TODOS OS QUE LEREM
É uma historia que faz arripiar os cabellos.
Ha aqui bacamartes e pistolas, lagrimas e sangue, gemidos e berros, anjos e demonios.
É um arsenal, uma sarrabulhada, e um dia de juizo!
Isto sim que é romance!
Não é romance; é um soalheiro, mas tragico, mas horrivel, soalheiro em que o sol esconde a cara.
Como da seva mesa de Thyestes
Quando os filhos por mão de Atreu comia.
Escreve-se esta chronica em quanto as imagens dos algozes e victimas me cruzam por diante da phantasia,
como bando de aves agoureiras, que espirram de pardieiro esboroado, se as acossa o archote de um
phantasma.
Tenebroso e medonho! É uma dança macabra! um tripudio infernal! cousa só semelhante a uma novella
pavorosa das que aterram um editor, e se perpetuam nas estantes, como espectros immoveis.
Ha ahi almas de pedra, corações de zinco, olhos de vidro, peitos de asphalto?
Que venham para cá.
Aqui ha cebola para todos os olhos;
Broca para todas as almas;
Cadinhos de fundição metallurgica para todos os peitos.
Não se resiste a isto. Ha-de chorar toda a gente, ou eu vou contar aos peixes, como o padre Vieira, este
miserando conto.
Os dias actuaes são melancolicos; a humanidade quer rir-se; muita gente, séria e sisuda, se compra um
romance, é para dar treguas ás despoetisadas e pêcas realidades da vida.
Sei-o de mais. Eu tambem compro os livros dos meus amigos, para espairecer de meditações serumbaticas em que me anda trabalhado o espirito.
Sei quantos devo, e que favores impagaveis me deveria, leitor bilioso, se eu lhe encurtasse as horas com
paginas galhofeiras, picarescas, salitrosas, travando bem á malagueta, nos beiços de toda a gente, afóra os
seus.
Tenha paciencia: ha de chorar ainda que lhe custe.
Se respeita a sua sensibilidade, fique por aqui; não leia o resto, que está ahi adiante uma, ou duas são ellas, as scenas das que se não levam ao cabo, sem destillar em lagrimas todos os liquidos da economia animal.
Este romance foi escripto n'um subterraneo, ao bruxolear sinistro de uma lampada.
Alfredo de Vigny não diz que escreveu um drama, ás escuras, em vinte dias? E Frederico Soulié não se
rodeava de esqueletos e esquifes?
E outros não se espertaram com todos os estimulos imaginaveis de terror? Menos o do subterraneo... este é
meu, se me dão licença.
Pois foi lá que eu desentranhei do seio estes lobregos lamentos.
No fim de cada capitulo, vinha ao ar puro sorver alguns átomos de oxigenio, e todos me perguntavam se eu
tinha pacto com o diabo.
Almas plebeias! não sabem o que é a fidalguia do talento, que tem alcaçar nos astros, e nos antros lobregos da terra; não entendem este fadario do «genio», que elles chamam «excentricidade», como se não houvesse um nome portuguez que dar a isto.
O leitor sabe o que isto é? Já sentiu na alma o apertar de um caustico? Excruciaram-no, alguma vez, os
flagellos da inspiração corrosiva, como duas onças de sublimado?
Se não sabe o que isto é, estude pharmacia, abra um expositor de chimica mineral, e verá.
Não cuidem que podem ler um romance, logo que soletram. Precisam-se mais conhecimentos para o ler que
para o escrever. Ao auctor basta-lhe a inspiração, que é uma cousa que dispensa tudo, até o siso e a
grammatica. O leitor, esse precisa mais alguma cousa: intelligencia;--e, se não bastar esta, valha-se da
resignação.
Ora, está dito tudo.
Leiam isto, que é verdadeiro como o «Agiologio» de Ribadaneira, como as «Peregrinações» de Fernão
Mendes, como todos os livros legados de geração a geração com o sinete da crença universal.
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A ALGUNS DOS QUE LEREM
Não será uma acção meritoria amoldurar em fórmas verosimeis a virtude, que os pessimistas acoimam de
impraticavel n'este mundo? Hão de só crer nas façanhas do crime, nas hyperboles da maldade humana, e negar
as perfeições do espirito, descrêr o que ultrapassa as balisas de uma certa virtude convencional, que não custa
dores a quem a usa?
Se os espanta as excellencias da mulher que vou debuxar, antes de m'as impugnarem, afiram-se pela natureza,
interroguem-se, concentrem-se no arcano immaculado da sua consciencia. Se me rejeitam a verdade de
Ludovina, se me dizem que a este inferno do mundo não podia baixar tal anjo, sabem o que é esse descrer? é
apoucamento de alma para idear o bello; é o regelo do coração que rebate as imagens ainda aquecidas do
halito puro da divindade.
Se a mulher assim fosse impossivel, o romancista que a inventou, seria mais que Deus.
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CAPITULO AVULSO
PARA SER COLLOCADO ONDE O LEITOR QUIZER
Francisco Nunes...
Que nome tão peco e charro! Francisco Nunes!
Pois se o homem chamava-se assim!?
Deus sabe que tristezas eram as d'elle por causa deste Nunes. O rapaz tinha talento de mais para escrever
folhetins lyricos, e outras cousas. Pois nunca escreveu por que não queria assignar-se Nunes.
Ha appellidos que parecem os epitaphios dos talentos.
Um escriptor Nunes morre ao nascer.
Bem o sabia elle.
Houve em Portugal um escriptor chamado Antonio José. Se a inquisição o não queima, ninguem se lembrava
hoje d'elle.
(...)
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