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Camilo Castelo Branco

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4 de julho de 2011

Maria Moisés: Enredos do Coração




Maria Moisés de Camilo Castelo Branco: Enredos do Coração

A fábula novelesca de Maria Moisés, de Camilo Castelo Branco configura uma típica novela sentimental, mas ao contrário do Amor de Perdição singulariza-se por dosear a mundividência romântica com uma atenção a elementos realistas. Digamos, portanto, que se trata de uma novela passional (sobretudo na 1ª Parte), equilibrada por um realismo temperado e tipicamente camiliano. Dividindo a novela em duas partes, Camilo salienta, de modo bem vincado, como veremos, dois percursos existenciais bem diferentes, mas nem por isso menos complementares: primeiro, o narrador camiliano apresenta-nos a história de Josefa da Lage; depois, com a trágica morte desta, narra-nos a vida de sua filha, Maria Moisés. 

Vejamos, mais detidamente, os eventos que preenchem cada uma das partes.

• História: duas vidas e um segredo

Assim, na 1ª Parte da narrativa, assistimos ao trágico desfecho dos amores contrariados dum jovem cadete de cavalaria (António de Queirós), filho dum orgulhoso fidalgo de Cimo de Vila, por uma simples "rapariga de baixa condição", da aldeia de Santo Aleixo. É uma paixão súbita, que começa a desenvolver-se num cenário campestre e idílico, a paisagem verde e arborizada da Ínsua, uma espécie de Ilha dos Amores. Amadurece em alguns poucos meses do Verão e Outono de 1812, levando os amantes a enfrentar os obstáculos que, entretanto, se interpõem à sua paixão, personificados no orgulho desdenhoso do pai de António, Cristóvão de Queirós e Meneses.
Recordemos, neste contexto de oposição ao amor dos dois jovens, a cena em que o austero pai procura contrariar os desígnios do coração, impondo outra escolha para um casamento mais conveniente com a condição social do jovem morgado. Repare-se na típica reacção de António, própria dos inflamados amantes camilianos – ousando enfrentar e desafiar a autoridade paterna, em nome da religião do Amor que abraçou de alma e coração. Influente, o pai não olha a meios para executar os seus desígnios.
Relembremos, então, uma das cenas mais típicas da ficção camiliana:
– Escolhi-te mulher – disse Cristóvão. – É ainda tua parenta por Meneses. Não é herdeira; mas o irmão morgado está héctico, e o segundogénito é aleijado e incapaz para o matrimónio. Virá ela portanto a herdar os vínculos. É preciso que a visites hoje comigo.
– Meu pai – respondeu António com respeitosa serenidade – pode V.ª S.ª dispor da minha vida; mas do meu coração já eu dispus. Ou hei-de casar com uma rapariga de baixa condição a quem prometi, ou não casarei nunca.
O velho pôs a mão convulsa nos copos do espadim, arquejou largo espaço, e disse:
– Duvido que você seja meu filho. Proíbo-lhe que se assine Queirós de Meneses. Adopte o apelido de algum dos meus lacaios.
António levantou o rosto e redarguiu:
– Não se ultraja assim a memória de minha mãe.
O velho nutava entre a cólera e a vergonha. Estendeu o braço, e apontou-lhe a porta, rugindo:
– Espere as minhas ordens no seu quarto.
Ao outro dia, um mandado da regência ao intendente-geral da Policia ordenava a prisão do cadete de cavalaria António de Queirós e Meneses no Limoeiro" (pp. 135-7).

A 2ª Parte da novela começa exactamente no ponto em que termina a história da 1ª Parte. É constituída pela história da filha enjeitada, a criança encontrada no rio pelo pescador Francisco Bragadas. Baptizada com o nome de Maria Moisés, é criada na quinta de Santa Eulália. Recorde-se, marginalmente, que o motivo temático do filho(a) enjeitado(a) é relativamente frequente na ficção camiliana, sendo origem das romanescas cenas do reencontro ou reconhecimento, como irá acontecer na derradeira cena de Maria Moisés.
Recolhida pelo caseiro da quinta de santa Eulália, a jovem Maria Moisés é adoptada pelos fidalgos de Santa Eulália e educada sob a orientação do bondoso Cónego João Correia Botelho, acabando por herdar a quinta de Santa Eulália. Aos 18 anos, manifesta a vocação da sua vida: "criar meninos enjeitados!", isto é, dedicar-se a uma vida de amor caridoso pelos mais pobres e abandonados, como ela o fora. Paulatinamente, lá vão chegando as crianças, que ela alimenta e educa com desvelos maternais e uma generosidade quase sem limites, "porque o prazer de dar é muito maior que o de receber". Parece que o seu nome, de inspiração bíblico-religiosa, se revelava um elemento predestinador deste "plano caritativo" (p. 181).
Por fim, passados quase quarenta anos, e como uma manifestação da Providência divina (que aqui agracia, e não castiga), surge a cena do encontro entre pai e filha ou reconhecimento, cena que na tragédia grega se designava por anagnórisis. O amargurado emigrante brasileiro abraça a filha perdida, num sublime lance que a ficção romanesca de Camilo tradicionalmente explora:
"(...) E, tomando as mãos de Maria, prosseguiu: – Se eu morrer debaixo da luz dos teus olhos, Deus me chamará a si, não pelos meus merecimentos, mas pelas virtudes de minha filha. Pedirás então a Deus por teu pai, Maria?
– Eu! Jesus! Eu sua filha! – clamou ela, pondo as mãos convulsas, quando ele a beijava na fronte.
Maria caíu de joelhos, pendente dos braços do pai; e os velhos e as crianças ajoelharam também, trementes e extáticos, sob a faísca eléctrica daquele sublime lance" (p. 208).

Do que até aqui se foi dizendo, sobressai o sentido edificante assumido pela novela Maria Moisés. A dupla história duma mãe que se perde, ao entregar-se à paixão, e duma filha enjeitada que redime o pecado dos pais, através duma virtuosa vocação para a caridade, constitui-se naturalmente como fábula narrativa com uma moralidade manifesta. Isso mesmo foi assinalado pela crítica desta novela:
"O mesmo sentido edificante, de timbre cristão, distingue a segunda parte de Maria Moisés. A heroína é um símbolo vivo da caridade (...); a enjeitada, dedica a vida a outros enjeitados, o que é um modo de saldar uma dívida pessoal de gratidão (...). António de Queirós, por seu turno, vem reparar o mal feito a Josefa proporcionando a Maria Moisés, sua filha, as condições para cumprir a sua missão e o seu sonho" (1).

• Espaço: colorido minhoto
Como se depreende do título geral da colectânea (Novelas do Minho) que a novela Maria Moisés integra, estamos imersos em plena paisagem minhota embora geograficamente próximos da província de Trás-os-Montes. Sem cair em estéreis biografismos, não podemos esquecer que é uma região que o próprio escritor conhece bem, desde os tempos da infância e adolescência. Assim, a acção da novela Maria Moisés decorre num espaço geográfico relativamente limitado, uma vez que se centra numa pequena região, mais concretamente no pequeno concelho de Ribeira de Pena, junto ao rio Tâmega:

1ª Parte: freguesia de Santo Aleixo de além-Tâmega, com a particularização de vários lugares ou propriedades, como: Ínsua, Cangosta do Estêvão, Várzea das Poldras, Agra da Cruz, bravio do Pimenta, campo da Lagoa, quinta do Enxertado, Granja, Cimo de Vila, Cavês, encruzilhada do Mato, etc.

2ª Parte: freguesia de São Salvador de aquém-Tâmega (freguesia sede do conselho), mencionando também lugares como: Quinta de Santa Eulália, Quinta do Enxertado, casa da Temporã, etc. (além dos vários lugares referidos na 1ª Parte). 

Fonte: 
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/letras/candid10.htm

Obra digital, aqui: 
http://web.portoeditora.pt/bdigital/pdf/NTSITE99_MariaMoises.pdf



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