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Camilo Castelo Branco

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12 de julho de 2010

Amor de Salvação


Camilo Castelo Branco

A José Gomes Monteiro



Meu amigo.



Peço licença para inscrever o seu nome na primeira página deste livro. Esta fica sendo para mim a mais prestante obra. As outras são futilidades; porque lágrimas e alegrias de romance é tudo fútil.



No Minho, em 1864.



OBSERVAÇÃO



O leitor folheia duzentas páginas deste livro, e o amor de felicidade e bom exemplo não se lhe depara, ou vagamente lhe preluz. Três partes do romance narram desventuras do amor de desgraça e mau exemplo. A crítica, superintendente em matéria de títulos de obras, querendo abater-se a esquadrinhar a legitimidade do titulo desta, pode embicar, e ponderar - que o amor puro, o amor de salvação, vem tarde para desvanecer as impressões do amor impuro, do amor infesto.



Respondo humildemente:



Amor de salvação, em muitos casos obscuros, é o amor que excrucia e desonra. Então é que o senso intimo mostra ao coração a sua ignomínia e miséria. A consciência regenera-se, e o coração, reabilitado. avigora-se para o amor impoluto e honroso. Assim é que as enseadas serenas estão para além das vagas montuosas, que lá cospem o náufrago aferrado à sua tábua. Sem o impulso da tormenta, o náufrago pereceria no mar alto. Foi a tempestade que o salvou.



Além de que a felicidade, como história, escreve-se em poucas páginas: é idílio de curto fôlego; no sentir intraduzível da consciência é que ela encerra epopéias infinitas - enquanto que a desgraça não demarca balizas à experiência nem à imaginação.



Para o amor maldito, duzentas páginas; para o amor de salvação. as poucas restantes do livro. Volume que descrevesse um amor de bem-aventuranças terrenas seria uma fábula.



O AUTOR



Estava claro o céu, tépido o ar, e as bouças e montes floridos, O mês era de Dezembro, de 1863, em véspera de Natal.



A gente das cidades pergunta-me em que pais do mundo florescem, em Dezembro, bouças e montados.



Respondo que é em Portugal, no perpétuo jardim do mundo, no Minho, onde os inventores de deuses teriam ideado as suas teogonias, se não existisse a Grécia. No Minho, ao menos, se buscariam águas límpidas para Castálias e Hipocrenes. No Minho, a Citera para a mãe dos amores. Nos arvoredos desta região de sonhos, de poemas, e rumores de conversarem espíritos, é que os sátiros, as dríades e os silva-nos sairiam a cardumes dos troncos e regatos: que tudo aqui parece estar dizendo que a natureza tem segredos defesos ao vulgo, e como a entreabrirem-se à fantasia de poetas.



Mas que flores... quer o leitor saber que flores vestem os calvos e denegridos serros do Minho, em Portugal. São flores a festões, cachos de corolas amarelas viçosas, e aveludadas como as dos arbustos cultivados em jardins: é a florescência dos tojais, plantas repulsivas por seus espinhos, alegres de sua perpétua verdura, únicas a enfeitarem a terra quando a restante natureza vegetal amarelece, definha e morre. E desse privilégio como que o agreste arbusto se está gozando soberbamente; pois que vos mostra as suas pinhas de flores, e com os inflexíveis espinhos vos defende o despojá-lo delas.



E naquele dia 24 de Dezembro de 1863 andava eu no Minho, por aquela corda de chãs e outeiros, que abrangem quatro léguas entre Santo Tirso, Famalicão e Guimarães.



Eu, homem sem família, sem mão amiga neste mundo, há trinta anos sozinho, sem reminiscências de carícias maternais, benquisto apenas de uns cães, que pareciam amar-me com a cláusula de eu os sustentar e agasalhar; eu, que, naquele tão festivo dia da nossa terra, não tinha colmado onde me esperasse um amigo pobre para me dar entre os seus um lugar no escabelo, nem parente abastado, que de mim se lembrasse à hora dos brindes com generosos vinhos em lúcidos cristais, eu vendo-me com lágrimas em minha sombra, assim me fora a contemplar a felicidade alheia pelas chãs e outeiros do devoto Minho.



Eu caminhava a pé, guiando-me ao sabor da imaginativa ideia, que se deleitava em vestir de folhagem a árvore nua, e tristemente inclinada sobre o colmado do casalejo. Parava em frente de cada choupana, e meditava, e escutava o rumor das vozes que lá dentro, ou no ressaio da horta, se misturavam em dizeres alegres ou cantilenas alusivas ao nascimento do Deus-Menino. Diante dos portões gradeados do proprietário rico é que eu não parava nem meditava. Se lá dentro de suas salas iam alegrias, como em casa dá jornaleiro, não sei: o certo era que as paredes da habitação opulenta dão deixavam sair uma nota para o hino geral de graças e júbilo com que a pobreza saudava o Emancipador dos deserdados, o Senhor dos mundos, nascido e agasalhado nas palhinhas de um presépio.



O Sol, desnublado de vapores, como nas tardes serenas de Julho, oscilava nas montanhas do poente e azulejava as grimpas dos pinheirais, de onde eu, a contemplá-lo, me esquecera da distância a que me alongara da casa hospedeira daquela noite.


(...)

Pode ler o livro aqui:



 

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