Casa de Camilo

Camilo Castelo Branco

Camilo Castelo Branco
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17 de abril de 2011

A Corja



Autoria: Camilo Castelo Branco

Data de publicação: 1880

Local de publicação: Porto



A Corja é uma novela da autoria do escritor Camilo Castelo Branco, publicada em 1880. Esta novela continua e conclui uma outra do mesmo autor intitulada Eusébio Macário.

Pretendendo fazer paródia com a corrente naturalista segundo a qual as ideias e os comportamentos das pessoas/personagens são condicionadas pela educação e o meio envolvente, A Corja reflete , no que concerne à sua temática, os conflitos interiores que perturbam o autor e que derivam da sua educação e da sua vivência juvenil. Temas como a rutura social, as relações amorosas clandestinas, o problema dos bastardos, a luta contra os amores contrariados por desníveis sociais, e o anticlericalismo, informam histórias protagonizadas por personagens como o trabalhador rural, o fidalgo de província, a burguesia urbana, e o "brasileiro" (português que enriquece no Brasil por meios menos lícitos), etc. Percorrendo as páginas desta novela e as de quase toda a obra de Camilo Castelo Branco, estes temas e estas personagens permitem-lhe recriar, de forma quase pictórica, a sua época.

A história da obra desenrola-se já numa época em que o boticário Eusébio Macário e família pertenciam a um estatuto social superior e foram viver para o Porto, onde a filha casa com um barão por meras razões de estatuto social.

Personagens sórdidas e ignorantes, arredadas de valores e princípios, que atropelam tudo e todos em nome do status quo. Daí, o título temático da novela congregar, simbolicamente, em si mesmo, toda a crítica que o autor pretende fazer aos burgueses, aos aristocratas e ao clero, aqui personificados pelas Famílias de Eusébio Macário e de Felícia e pelo Padre Justino. Tudo é permitido e tudo se aceita em nome do "estatuto", como exemplifica o casamento da aristocrata Felícia com um filho de Eusébio Macário, José Macário, mesmo sabendo-se que aquela era amante do Padre Justino e a quem continuava a dar notícias através das páginas do jornal "Periódico dos Pobres".

Heterodiegético quanto à sua presença na ação, o narrador vai relatando o desenvolvimento da intriga e assumindo-se, por vezes, como um narrador subjetivo, não se abstém de tecer as suas próprias considerações sobres os factos. Com um conhecimento profundo das situações e das personagens, mesmo no que respeita ao mais recôndito da sua intimidade, fruto de uma focalização interna, este narrador é, predominantemente, omnisciente.

Ausente, subjetivo e omnisciente, este narrador narra-nos, fundamentalmente a história da vingança do Padre Justino que, sentindo-se despeitado com o casamento de Felícia, sua amante, cria uma intriga que provoca o divórcio e a empurra, de novo, para os seus braços. Paralelamente, e para fundamentar e acentuar a ausência de valores destas personagens, cruzam-se as histórias dos amores ilícitos de Custódia, mulher de Bento Macário (agora barão do Rabaçal), que, descoberta pelo marido, foge com o amante e a do casamento de Eusébio Macário, já velho e sozinho, com Eufémia Troncha, mulher ambiciosa e calculista.

Como um "painel" que deixa sempre um lugar vazio para o livro seguinte, a obra camiliana contém uma "unidade" que lhe é conferida pela transição de personagens e mesmo acontecimentos de umas obras para outras de que Eusébio Macário e A Corja são exemplo.

Com esta unidade estruturante, o autor pretende apresentar a sociedade da sua época como um "conjunto", cujos vícios e ausência de valores são pintados com as cores cinzentas que caracterizaram a sua vida, levando-o a olhar algumas das suas personagens com antipatia.

Repleta de ironia e mesmo sarcasmo, A Corja denota uma certa incapacidade do autor para sublimar muitos dos seus conflitos internos, nomeadamente o que opõe o seu meio cultural ao público para quem escreve e que decorre, na opinião e alguns estudiosos da sua obra, da necessidade de fazer face às reconhecidas dificuldades económicas que sentia. Por isso, e ainda de acordo com alguns ensaístas, o autor, impelido pelo lucro imediato, "envereda, por vezes, por temas folhetinescos, pactuando com o gosto menor e o sistema de valores literários dos leitores", mesmo sabendo que vai colidir com os valores estéticos que, enquanto autor reconhecido pela plêiade literária, deveria respeitar.







Como referenciar este artigo:

A Corja. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-04-17].


13 de abril de 2011

Eusébio Macário



Autoria: Camilo Castelo Branco

Data de publicação: 1879

Local de publicação: Porto



Narrativa de Camilo Castelo Branco publicada em 1879. Tal data e o seu subtítulo, História Natural e Social de Uma Família nos Tempos dos Cabrais, desde logo nos transmitem pistas sobre o contexto sociocultural do texto em questão. Quando pensamos nos citados Tempos dos Cabrais, pensamos no período de amolecimento político que sucedeu à violência da guerra civil (1828-1834).

Talvez o acontecimento político mais marcante deste período tenha sucedido em 1849, o chamado «ano da caleche»: Costa Cabral, ministro do Reino, recebera de um negociante uma caleche em troca de uma comenda. Vivia-se então uma fase de estabilidade marcada por contiguidade ideológica e programática das fações partidárias, circunstância que favoreceu o rotativismo bipartidário, mecanismo típico do liberalismo parlamentar inglês. A maioria da população, sem consciência política e independência económica, era manipulada pelos caciques, que pagavam os votos com promessas de nomeações, proteções e outros favores. Por esta altura, este mundo estava acolhendo um outro modelo estrangeiro (o Naturalismo, que, oposto diretamente aos arroubos espirituais e sentimentalistas dos românticos, se torna conhecido pelo privilégio da matéria, da cor, da sensação, não recuando perante a trivialidade e a brutalidade da humanidade média e baça que analisa através de processos «já se vê, científicos, o estudo dos meios, a orientação das ideias pela fatalidade geográfica, as incoercíveis leis fisiológicas e climatéricas do temperamento e da temperatura, o despotismo do sangue, a tirania dos nervos, a questão das raças, a etologia, a hereditariedade inconsciente dos aleijões de família, tudo, o diabo!» («Advertência» de Eusébio Macário).

Neste sentido, o subtítulo em questão parece indiciar o enquadramento da sua narrativa nesta corrente literária, sobretudo se recordarmos, com Camilo, na sua «Nota Preambular», o título e subtítulo da série Les Rougon Macquart: Histoire Naturelle et Sociale d'une Famille sous le Second Empire de Emile Zola, expoente máximo de tal corrente. Apercebendo-se do desabamento do mundo antigo, Camilo, «romântico particularmente sensível à realidade e ao realismo impiedosos da sociedade» (no dizer de Eduardo Lourenço), encara este mundo submetido ao reino do dinheiro através da paródia do estilo da escola naturalista: construções francesas, abuso do imperfeito descritivo, acumulação de adjetivos, pormenor plástico.

A ação de Eusébio Macário adequa-se perfeitamente ao espírito político e cultural deste tempo com mais fisiologia do que sentimento. Eusébio Macário, futuro Cavaleiro da Ordem de Cristo, farmacêutico, cabralista caciquista e viúvo de uma personagem feminina apenas referida como «a Canelas», famosa adúltera, procura sobreviver e velar pela honra dos filhos, José Fístula, ex-seminarista, especialista em fados, farmacêutico temporário, aspirante a cirurgião e amante de senhoras casadas, e Custódia, «rapariga pimpona» e donzela casadoira. Ao destino desta família entrelaça-se aquele da família do «brasileiro» Bento Montalegre, emigrante que se «vendera a uma viúva decrépita, rica e devassa, que lhe deixara moagens, fazendas, o casco da sua fortuna», comendador e futuro «barão do Rabaçal», irmão de Felícia, «mulherança frescalhona, de uma coloração sanguínea, anafada, ancas salientes, de trinta e cinco anos», que vivia maritalmente com Abade Justino, mulherengo sem ideal, «estômago com algum latim e muitas féculas». A intriga desenvolve-se com a chegada de Bento, cuja riqueza lhe compra os títulos citados, uma esposa (Custódia), e um marido (José Fístula) para Felícia, que abandona o padre. Este, por sua vez, não demora a encontrar uma nova e prendada companheira.

Porém, à sensação de festa inerente à paródia responde o sentimento de náusea e vazio do seu reverso, no qual está inscrita a imagem de «filas cerradas de pinheiros lá em cima nas cumeadas», lembrando «esquadrões de gigantes, pasmados, a olharem para nós, burlescos pigmeus, que andamos cá em baixo a esfervilhar como bichinhos revoltosos nas enormes podridões verdoengas do planeta». Neste sentido, a obra acaba por explorar a miséria estrutural da vida humana, incapaz de se libertar da matéria que lhe está na base.


Como referenciar este artigo:

Eusébio Macário. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-04-13].

 

8 de abril de 2011

O relógio do boticário Eusébio Macário

A descrição do relógio da Casa de Camilo, no romance "Eusébio Macário":


«Havia na botica um relógio de parede, nacional, datado de 1781, feito de grandes toros de carvalho e muita ferraria. Os pesos, quando subiam, rangiam o estridor de um picar de amarras das velhas naus. Dava-se-lhe corda como quem tira um balde da cisterna. Por debaixo da triplicada cornija do mostrador havia uma medalha com uma dama cor de laranja, vestida de vermelhão, decotada, com uma romeira e uma pescoceira, crassa e grossa de vaca barrosã, penteada à Pompadour, com uma réstia de pedras brancas a enastrar-lhe as tranças. Cada olho era maior que a boca, de um vermelho de ginja. Ela tinha a mão esquerda escorrida no regaço, com os dedos engelhados e aduncos como um pé de perua morta; o braço direito estava no ar, hirto, com um ramalho de flores que parecia uma vassoura de hidrângeas. Este relógio badalara três horas, que soaram ríspidas como as pancadas vibrantes, cavas, das caldeiras da Hécate de Shakespeare.»




Camilo Castelo Banco, Eusébio Macário,

Porto, Lello & Irmão Editores, s/d

2 de abril de 2011

O Amor e a Pobreza (A Sereia)



O amor dá-se mal nas casas ameaçadas de pobreza. É como os ratos que pressentem as ruínas dos pardieiros em que moram, e retiram-se. A comparação é por demais plebeia em matérias tão afidalgadas como são estas do coração: todavia, imolemos a polidez à verdade.

O amor é de condição mui desprendida dumas baixezas que nós raramente chamamos almoço, jantar, ceia, aconchego, comodidades, e guarda-roupa abundante. Assim que ele dá tento de que o seu vizinho, chamado espírito, cogita distraído naquelas coisas vulgares, começa a enfastiar-se, a franzir o sobrolho, a estorcer-se a ver por onde há-de fugir.

O amor quer o monopólio das faculdades da alma. Se o intelecto o desdenha para se exercitar em estudos graves, o caprichoso arrufa-se, e vinga-se dos sábios fugindo para os corações dos tolos, que, tal qual vez, se senhoreiam dos espíritos das mulheres dos sábios, desastre de que o sapientíssimo Marco Aurélio se queixava numa carta à sua muito desonesta mulher Faustina. Cito um imperador para consolação da gente meã, ignorante dos iminentes camaradas de infortúnio, que a história lhe oferece.

Quando este despeito se dá com as inteligências absorvidas pela paixão do saber, que fará com os ânimos preocupados do prosaísmo da receita e despesa?

Está este lameiral chamado terra infamado de misérias que fazem chorar. Mulheres sem honra nem pão; criancinhas sem mãe nem cama; homens sem coração nem remorsos; lajes salpicadas de sangue de desesperados que se matam; bancas de anfiteatros cobertas de cabeças separadas dos troncos; hospitais que sorvem podridão e revessam cadáveres. A gente vê isto, e passa. Não se inquirem causas.

A filosofia viu tudo, e disse 'corrupção congenial da humanidade'. A religião viu tudo, e disse: 'Caridade e misericórdia'. Os poetas viram e disseram : 'Manon Lescaut, Cláudio Gueux, Margarida Gauthier' ...

In 'A Sereia'
Camilo Castelo Branco

http://divulgarcamilo.blogs.sapo.pt/5964.html
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Casa de Camilo - Noites de Insónia

«As “Noites de Insónia” têm como finalidade a descoberta de formas diferentes de aproximação aos textos camilianos, através da discussão em grupo de determinadas obras, escolhidas previamente. Do gosto pela leitura e da conversa sobre o que se lê, da troca de opiniões, de pontos de vista, de associações, procuraremos criar cumplicidades e desenvolver o gosto por uma leitura mais activa e partilhada da obra do romancista de Seide.» http://camilocastelobranco.org/index2.php?co=569&tp=6&cop=260&LG=0&mop=604&it=evento_lst Coordenadores: 2009 - Professor Cândido Oliveira Martins - Universidade Católica de Braga 2010 - Professor Sérgio Guimarães de Sousa - Universidade do Minho 2011 - Prof. João Paulo Braga

Encontros 2012 - Professor Sérgio

15 Fevereiro - "Memórias do Cárcere" - Discurso Preliminar
7 Março - "Memórias do Cárcere" - Do I capítulo ao V

Encontros 2011 - Professor Paulo

2011 "A Viúva do Enforcado" - 16 de Novembro - 21:30 "A Filha do Arcediago" - 19 de Outubro - 21:30 "As Aventuras de Basílio Enxertado" - 21 de Setembro - 21:30 "Maria Moisés" - 9 de Julho - 21:30 "O Cego de Landim" - 15 de Junho - 21:30 "O Retrato de Ricardina" - 4 de Maio - 21:30 "A Corja" - 6 de Abril - 21:30 "Eusébio Macário" - 9 de Março - 21:30 "A Sereia" - 9 de Fevereiro - 21:30

Encontros 2010 - Professor Sérgio

"Memórias de um suicida" - 30 de Novembro - 20h "O que fazem Mulheres" - 6 de Outubro - 21:30h "O Amor de Perdição" - 16 Junho - 20h "O Senhor do Paço de Ninães" - 21 Abril - 21h30 "Anátema" - 24 Março - 21h30 "A Bruxa de Monte Córdova" - 24 Fevereiro - 21h30 "A Queda dum Anjo" - 20 Janeiro - 21h30

Encontros 2009 - Professor Cândido

"Estrelas Propícias" - 11 Novembro - 20h "A Brasileira de Prazins" - 21 Outubro - 21h00 "Novelas do Minho" - 16 Setembro - 21h30 "Coração, Cabeça e Estômago" - 17 Junho - 21h30 "Vinte horas de Liteira" - 22 Maio - 21h30 "Memórias do Cárcere" - 30 Abril - 21h30